Série Expedição Américo Vespúcio



Série Expedição Américo Vespúcio

Parte 1





Uma viagem pelo Velho Chico da nascente à foz

Primeira viagem fluvial de Iguatama, no Alto São Francisco, ao oceano Atlântico.


Geraldo Gentil Vieira, Engenheiro agrônomo, Codevasf/DF.
Sérgio Luiz Rocha Moreno, Geólogo/Gerência Executiva II/ Ibama.
Alberto R. Calderón Canessa, Analista de sistema, Codevasf/DF.


26 de Agosto de 2004


A Expedição Américo Vespúcio foi a primeira viagem fluvial em barco de grande porte, das cabeceiras à foz do rio São Francisco. A largada ocorreu em Iguatama, uma pequena cidade das cabeceiras que está a 130 km (80km em linha reta) das nascentes. Assim, a expedição não faria como todas até então, largando de Pirapora, e barragens como Três Marias, Sobradinho, Itaparica, Moxotó, Paulo Afonso e Xingó seriam pontos vermelhos, para traslado do barco em carreta. Um circuito ecoturístico fluvial, desde o alto, até o médio, sub-médio e baixo São Francisco nascia no bojo da expedição. A idéia de fazer essa Expedição surgiu de uma outra chamada Expedição Parnaíba Vivo, de abril de 2001, que desceu o rio Parnaíba do Tocantins ao delta no Piauí.


A partida da Expedição foi em clima de festa e alguma apreensão.
Os expedicionários fizeram questão de levar a bandeira do Brasil e a dos
seis estados e do DF que estão na bacia hidrográfica do rio São Francisco

O projeto - Para comemorar os 500 anos de descoberta do rio São Francisco, fizemos esta expedição, um projeto aprovado pela Codevasf. Principal objetivo: sensibilizar a população ribeirinha e todos os brasileiros para o grave processo de degradação porque passa o rio.
Da expedição nasceria um diagnóstico e propostas de revitalização por meio da educação ambiental, criação de comitês, implantação do turismo ecológico, descobertas das paisagens naturais e culturais, as rotas e trilhas dos pioneiros e naturalistas.
Outro objetivo: somar esforços com a expedição Engenheiro Halfeld, que já descia a partir de Pirapora, com o objetivo de apresentar à Unesco proposta de tornar determinados sítios históricos e áreas naturais como Patrimônio da Humanidade. E, ainda, esta guardada a sete chaves, saber a extensão exata do rio e a altitude das nascentes. Seriam mesmo 2700km ou 3161km?
Em 32 dias conhecemos lugares diferentes e surpreendentes, com paisagens naturais, artificiais e degradadas que ficarão para sempre na nossa memória. A proposta do Ibama em participar da expedição foi no sentido de diagnosticar os impactos sócio-econômicos na bacia, que foram numerosos e preocupantes, conforme descrevemos no diário de bordo em parceria com o colega Sérgio Luiz Ferreira.


Triste retrato - Constatamos que o poderoso rio sofre uma pressão permanente. Vimos minerações desordenadas, nascentes e lagoas-berçários de alevinos drenadas e assoreadas implacavelmente de ponta a ponta, focos de pré-desertificação desde as cabeceiras, as matas ciliares e de topo desaparecem a olhos vistos. O potencial piscícola autóctone é prejudicado por cinco grandes barragens. Mas o potencial paisagístico natural e humano extrapola nosso sentimento e falta adjetivos para descrevê-los.
Percurso - Nesse percurso sub-continental rio abaixo no período de 12 de novembro a 14 de dezembro de 2001, visitamos 22 cidades, realizamos 15 audiências públicas e duas reuniões técnicas, somando três mil pessoas.
O grupo teatral de Graça Melo da 4ª SR/Codevasf em Aracaju apresentou no bojo da expedição seu projeto de educação ambiental, atingindo sete mil pessoas; um total de 15 milhões, somando 8% da população do País dos 504 municípios vivem na bacia.
A navegabilidade do trecho entre Iguatama e a ponte Pompéu-Abaeté fora constatada pela Codevasf, a PIPES e a Polícia Ambiental, sob o comando do major Adilson Teófilo Elias.
A profundidade mínima de 0,90m e "canais" superiores a 10 metros de largura, entre pedrais, pilares de pontes e galhadas, permitiria a passagem do PIPES, que pesa 17ton., tem calado de 0,60m, largura de 3,10m e 17,10m de comprimento, chegaríamos ao lago de Três Marias a 250 km. Com pequeno convés e bancos para 50 pessoas, casa de máquinas e gerador, foi ainda instalado a bordo o site www.americovespucio.com.br em tempo real.
O barco e a tripulação da empresa PIPES Navegação, de Carolina-MA, coordenada por Nilde Espírito Santo, seguiram por terra na carreta Scania. Intensas chuvas e a abertura da rampa para lançar a barca às águas, atrasou a largada por quatro dias, aproveitados para a construção da Carta de Iguatama na Escola Superior de Biologia e Meio Ambiente, documento oficial da expedição, com entrega em maciça audiência pública no ginásio olímpico, porém foi publicada inacabada, sem desfecho. Dela participaram o geógrafo Costa e Silva e a engenheira agrônoma Valmira Mecenas.
Grandes itens foram propostos: demarcar a área total de 200 mil hectares do Parque Nacional da Serra da Canastra, criar o Parque Estadual da Mata de Pains, com 60 km², e interligando os dois parques, a APA das Dez Cidades-Mães do S. Francisco, com área de 7.200 km²; investimentos em fruticultura irrigada e piscicultura etc. numa região onde já adentra a soja.
Participantes - Participaram da expedição a Codevasf, Ibama, Embrapa, Sebrae, SRH, OEA/SRH, SRHMA/GDF e Delgitec, representantes da terceira idade, artesanato/folclore, universitários da UnB e UniCeub, multimídia e equipes das filmagens, e a coordenadora Domo. Localmente visitou-se a usina de lixo, fábrica da White Martins, estação de trem de Garças de Minas, pontes de ferro, carranca e outros, e em São Roque foi dado o abraço às nascentes (histórica). Por falta de tempo não foram visitadas as cavernas na Mata de Pains, que abrange 500 km² em vários municípios das cabeceiras.
Finalmente a barca foi descida às águas. Sob a expectativa da multidão ela escorregou, foi a pique e embicou no fundo. Mais um dia para o resgate. Tudo que veio depois caiu já na voz dos pescadores... Os relatos estão em 448 páginas que dá título a esta série. Outros 15 relatos técnicos e diários de bordo virão em cinco capítulos a serem publicados na Folha do Meio Ambiente.

Fonte: FOLHA DO MEIO AMBIENTE




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Série Expedição Américo Vespúcio

Parte 2



Içando âncoras rumo ao Atlântico


27 de Setembro de 2004


Enquanto as notícias dos acontecimentos voavam pela pequena Iguatama-MG e por toda a região, a multidão aguardava ansiosa a histórica largada da expedição. Sob fortes chuvas, curiosos, aventureiros, pesquisadores se misturavam à beira do rio São Francisco. No mesmo logradouro onde, no século XIX, passaram ninguém menos que o naturalista Johan Emmanuel Pohl e Dona Beja (nasceu em Pains e viveu em Araxá)



 A operação para colocar o barco na água foi um desastre: o barco emborcou. 
Depois do resgate, desfraldaram-se as bandeiras e uma imagem de São Francisco foi entronizada 
junto ao timoneiro. Uma prece e a partida de Iguatama-MG rumo ao oceano Atlântico. 
Adrenalina pura para os 28 expedicionários que faziam a histórica viagem de estudo


Os expedicionários e visitantes estavam eufóricos. Jamais se viu tamanho movimento ali. Calderón trazia uma camiseta à moda árabe na cabeça, Geraldo Guedes/Sebrae é o "professor do ecoturismo", o geólogo Ernesto Ferrante, da Delgitec, é o "cientista maluco". O Pipes, barco que tem as iniciais de Pedro Iran Pereira Espírito Santo, empresário de Carolina-MA, foi lançado às águas. Desastre! A popa dele foi para o fundo do rio. Após o resgate, desfraldamos as bandeiras e Rafaelito fez uma apologia ao rio. Rezamos a oração de São Francisco e entronizamos a imagem trazida pela veterana professora Maria Paraizo, junto ao timoneiro Murilo. Bem à frente. Então ele toma a palavra e diz forte e seguro:

"Estamos içando as âncoras rumo a Lagoa da Prata, esta é a primeira vez que um barco de porte navega nessas águas. Respeitem as normas de segurança. Vamos com Deus!"
Ainda saudamos os repórteres: "Bem-vindos amigos da imprensa. Estamos indo rumo ao Atlântico!" Pura adrenalina! A barca zarpa sob um silvo rouco às 16h30m de 16 de novembro de 2001.
A multidão acena, nuvens negras anunciam mais chuvas e o nível do rio sobe sem parar. As curvas vão ficando para trás, temos uma vista da cidade, chegam as pontes de ferro belgas, e pouco abaixo as barras dos rios São Miguel e Bambuí.
A participação da Embrapa/Centro Nacional de Pesquisa do Solo, "teve como objetivo básico contribuir com informações sobre o uso das terras ao longo do rio e tentar estabelecer a relação deste uso com os recursos hídricos na bacia", uma definição sucinta face ao imenso acervo científico e cartográfico da empresa.
E começamos a anotar tudo. Matas ciliares ora compactas bordejando as águas, ora decepadas e inexistentes. Biguás, garças, mergulhões, tucanos e outras aves parecem dar boas vindas aos 28 expedicionários. Alguns integrantes da expedição seguiram de ônibus para as audiências públicas em Pompéu e Abaeté.
A mesa dos navegadores da expedição (Ênio e Geraldo) fora ocupada indevidamente. Vemos que as estudantes Michele e Alexandra da, Escola de Biologia local, substituíram os diretores Wiliam Protásio e Lucivane Lamounier, Maristela Victor (e o Vinícius Kiko, o Beto), anfitriões que equiparam o barco com fogão, geladeira etc. As vozes se misturam, ouvimos Lola Garcia da Tribuna Formiguense confidenciar à Niude Espírito Santo: "Até parece que estamos naqueles cruzeiros do Nilo!". Parece que andou vendo filmes ou lendo Agatha Christie.
Já noite escura, cruzamos com risco duas "pontes do bagaço" da usina de açúcar que atravancam o rio, clandestinas. O barco se comprimiu entre os esteios. Uma salva de palmas para o comandante. Minutos depois o barco atraca em solo lagopratense em meio aos canaviais e nuvens de pernilongos. Enquanto parte da equipe acende a fogueira para travessia da noite, fomos para um hotel.
Sobre a audiência pública, citamos o prefeito Zezinho, de Lagoa da Prata: "É fundamental que cada fazendeiro desperte para a preservação de cada córrego, ainda que pequeno. Sem esta contribuição individual não será possível a revitalização do São Francisco". No rio Santana, de um total de 40km, 26 já foram reflorestados.


Audiências públicas contam duras verdades

Saímos bastante cedo para Pompéu, a cerca de 220km. Em meio a trechos de paisagens belíssimas desde a largada em Iguatama até aqui, notamos a degradação geral da mata ciliar e de morros sem mata de topo, agravada pelo desvio do rio, a "transposição" feita há 22 anos pela usina açucareira, e a drenagem de várzeas. Passamos debaixo de duas belas pontes de ferro alemãs, de ferrovias desativadas, mas que a revitalização poderá reativar como elos para o ecoturismo. A meio caminho na Ponte Quebrada almoçamos "quentinhas" trazidas pela Nurimar Alice e a Flor Maria. Mais abaixo avistamos o dique para impedir a entrada das águas das cheias na lagoa-berçário, feito em agosto por um pecuarista, autuado pelo major PMFlor Adilson Teófilo Elias, quando da nossa batimetria para a expedição. Citamos a agrônoma gaúcha Cláudia Petry, doutora em paisagem, no meu diário: "que evoluiu seu pensamento de 'técnica' a partir de conhecimentos da geografia, da história e da sociologia, utilizando o tema da paisagem identitária", e mais "...paisagem é para todos, não só para uma elite cultivada..." Atracamos no negrume da noite próximo à ponte que liga Pompéu a Abaeté.
Sobre a audiência pública em Pompéu, lemos no diário de José Carlos/Embrapa) que:
1 - O prefeito Francisco Assis e assessor Galba afirmam que "efluentes são lançados às águas sem tratamento e não há recursos para a construção de ETE";
2 - Da plenária duas pessoas pedem "um levantamento ecoturístico para a região e muita educação ambiental";
3 - Gilson alerta "que as pessoas vêm como turistas e saem como predadoras";
4 - Técnicos do Ibama alertam para o grave problema dos agrotóxicos e extração predatória de ardósia na região.
Em Abaeté, as denúncias caíram sobre a "morte do rio Marmelada", retificado, com margens drenadas nos anos 80. Hoje poluído por um frigorífico.
Conclusão geral: muita beleza em meio à muita destruição.

Drenagem das Lagoas

Em Três Marias visitamos a Estação de Hidrobiologia e Piscicultura da Codevasf, ciceroneados pelo biólogo Yoshime Sato, um cientista do rio: "Pior que a ausência de escada de peixes, é a drenagem das lagoas desde Iguatama que vocês viram até aqui". Por todo um dia tempestuoso navegamos até o porto de Morada Nova e mais além, passando pela ilha das Marias e reserva biológica de Pirapitinga. Vimos muitos fornos de carvão. Visitamos a indústria Votorantim de zinco que não convenceu a ninguém com sua exposição ambiental dos efluentes de metal pesado. Então partimos para a audiência pública no auditório da Cemig, recebidos por pessoas tão unidas, como o prefeito Padre Geraldo Gê, seus assessores e a comunidade: a Bárbara Johnsen, Silvia Friedman, o pescador Norberto, "Manuelzão do rio", o engenheiro e ambientalista Vicente Resende.
José Carlos, "o Caminha", tudo anotou: "O município deve conhecer os projetos da expedição e a expedição deve conhecer os projetos do município", disse o prefeito Padre Gê, acrescentando que "rio vivo, peixe vivo, povo vivo". Norberto disse que "as barragens são o pior problema para os peixes no rio São Francisco", enquanto para Sato "o ambiente é uma coisa só, estamos discutindo peixe, mas a questão é mais ampla. Em um sistema, até os pequenos peixes têm importância na cadeia". Ao final recebemos a Carta de Três Marias.

Geraldo Gentil Vieira, Engenheiro agrônomo, Codevasf-Brasília
Ênio Fraga, pesquisador/pedólogo, Embrapa/Solos-RJ
José Carlos P. dos Santos, pesquisador Embrapa/Solos
Alberto R. Calderón Canessa
Codevasf-Brasília

Fonte: FOLHA DO MEIO AMBIENTE


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Série Expedição Américo Vespúcio

Parte 3



Às margens do Velho Chico, cerrado vira carvão ou pastagem


Geraldo Gentil Vieira e Alberto R. Calderón Canessa/Codevasf
Sérgio Luiz Ferreira e Sérgio Luiz Rocha Moreno/Ibama


20 de Outubro de 2004


Já sem mata ciliar, a PMFlor-MG flagra construção de dique paralelo ao rio para secar lagoa


Nem o tempo e nem o rio podem parar... Nossa expedição "a la Fitzcarraldo" continua em meio às dificuldades de toda ordem para colocar e retirar o pesado barco do rio. Já navegamos 370km. Depois da partida em Iguatama-MG e das audiências públicas nas cidades acima de Três Marias, a expedição seguiu para Pirapora, onde começa o médio São Francisco. Ficaram para trás a paisagem palmeriana¹ das cabeceiras e serranias. Enquanto a barca era trasladada por terra e a equipe completa seguia em ônibus, Enio e Geraldo desceram o rio de Três Marias a Pirapora em voadeira com operador do Ibama. Assim, nenhum trecho dos 2.863km do rio ficou sem cobertura, o "Caminho do São Francisco", quiçá uma futura hidrovia ecoturística.
Em Pirapora, ficamos dois dias sob chuva. Uma jornalista do jornal "A Semana" disse que "essa foi a expedição mais ruidosa jamais passada por ali". Visitamos a típica "gaiola" Benjamin Guimarães, o projeto de irrigação da Codevasf hoje privatizado e Pacopaco/MST. Todos sentimos a grande revolta dos ambientalistas em várias reuniões técnicas. Em Três Marias, chamam o Cerrado de "mãe das águas". Até mesmo o oásis das veredas com seus imponentes buritis, o mais elegante ecossistema brasileiro, vem sendo destruído irremediavelmente. As carvoarias prosperam, com o franco mercado aberto pelas siderúrgicas. E nossos olhos vão assistindo a uma transformação doentia no curso médio do rio São Francisco, margens esquerda e direita, até Barreiras, na Bahia: o Cerrado ou vai virando carvão, ou pastagem, ou soja, ou reflorestamento de eucalipto... Uma tristeza! A agricultura irrigada racional seria a melhor solução, dada a sua elevada produtividade e valor agregado em grãos e frutas em áreas concentradas com 2-3.



Expedicionários: geólogo Sérgio Rocha/Ibama, engenheiro agrônomo Geraldo Gentil/Codevasf, 
deputado federal João Leão e a advodada e coordenadora Niude Espírito Santo, 
a bordo do PIPES, entre Barra e Xique-Xique


Saímos bastante cedo com destino a Januária. Mais 250km. Agora estamos no mundo rosiano² do Cerrado. Já, na Bahia, ganharemos a paisagem euclidiana³ da Caatinga típica. Ao amigo leitor que vem acompanhando esta expedição, podemos confessar sem medo de errar: ela parece mais uma peregrinação. Desde as nascentes, vamos debatendo, escrevendo e vivendo essa saga de questionamento ambiental, de potencialidades ecoturísticas e, que pena, de destruição sem dó nem piedade dos fantásticos recursos naturais que outrora marcaram as duas margens do Velho Chico. Calderón diz ao passar por Barra do Rio das Velhas que as garrafas PET são "os olhos raivosos do rio poluído que nos observam". Niude Espírito Santo, da PIPES, é a incansável "expedicionária", competente advogada e... cozinheira de bordo, junto com o agrônomo Sérgio Ferreira.
Desde a largada nas cabeceiras estamos georreferenciando as degradações: fim das matas ciliares, das lagoas marginais, barrancos desnudos, pontes do bagaço, desvio do rio, ilhas, bancos de areia, esgotos, lixões nas margens, queimadas e desmatamentos que bordejam as águas, redes e espinhéis. Apenas o que nossa vista alcança. Se entrarmos um pouquinho mais sertão adentro, a destruição é maior...
Atracamos em São Francisco, mas a equipe técnica seguiu de carro na noite fechada para a audiência pública em Januária, no hotel-escola do Sesc, coordenada pelo padre Neri. Lá recebemos a dura "Carta de Januária". Pena que as belas praias brancas já estavam encobertas pela cheia. Chovia sem parar...
Em Itacarambi, a festa foi da juventude: a comunidade plantou junto ao cais dezenas de mudas de árvores ornamentais, apresentando ainda danças com temas ambientais. Visitamos o PN Cavernas do Peruaçu (próximo à RI Xacriabá) e o Projeto Jaíba na margem oposta. O Ibama está fazendo o plano de manejo do belíssimo parque, que visitamos com licença especial. Avistamos a seicentista igreja de Matias Cardoso e Manga.
Mais abaixo pernoitamos em Carinhanha. Sorria: Bahia à vista! Na audiência pública ficou caracterizada a gravidade do desmatamento e carvoejamento na região, sem nenhuma fiscalização e a ausência do poder dos órgãos ambientais. Apenas Barreiras cobre todo o Além São Francisco.
Chegamos enfim a uma das capitais do turismo religioso: Bom Jesus da Lapa, onde ocorreu uma grande audiência com autoridades e populares no auditório da 2ªSR/Codevasf. Ficou caracterizada a necessidade urgente da revitalização com ações diretas em prol da bacia. No dia seguinte, em Barra dos Barões, outra audiência pública de peso. Pernoitamos em Ibotirama a meio caminho e... para surpresa geral, uma árvore inteira caiu len-ta-men-te nas águas, como que a denunciar aos olhos dos expedicionários os 500 anos de exploração pela exploração.
Visitamos oficinas de artesanato em argila (os designers e artesãos Luiz Pinto e Rita Venturin acompanham a expedição), os Brejos (veredas) e as Dunas Continentais onde foi rodado o filme "Abril Despedaçado".


As audiências públicas


Em todas as cidades ribeirinhas a população recebia até com euforia a
Expedição Américo Vespúcio. Como em Xique-Xique-BA


Grandes audiências públicas ocorreram em Xique-Xique, já no remanso de Sobradinho, assim como em Juazeiro, Petrolina, Propriá e Penedo, com maciça presença de autoridades e populares. São unânimes as reivindicações a favor da revitalização urgente da bacia, a salvaguarda dos índios, dos pescadores tradicionais e dos peixes autóctones, a melhoria da operação das barragens de Sobradinho, Itaparica, Paulo Afonso e Xingó. Querem prioridade para aumentar a área irrigada e para assentamentos do MST. Também criação de unidades de conservação e muita educação ambiental.
Visitamos ainda sítios interessantes: a igreja de Santana do Miradouro, a grande lagoa de Itaparica e Vila Santo Inácio, em Gentio do Ouro, já na Chapada Diamantina, com a passagem emocionante na eclusa de Sobradinho. Mais abaixo, visitamos projetos de uva em Petrolina e Juazeiro, cujo circuito começa em Pirapora. Inesquecíveis foram Helen e seu grupo de dança, em Paulo Afonso, os passeios no lago de Xingó, a cavalhada em Canindé e Piranhas. Até Penedo, Piaçabuçu e farol do Cabeço no Atlântico foram mais dois dias de emoções. Chegamos ao mar. Rendemos nossos tributos à empresa PIPES de Navegação, de Carolina-MA, na pessoa do senhor Pedro Iran Pereira Espírito Santo e da doutora Niude, extensivos aos tripulantes João Murilo, Aldenor e Marcelo da Scania. Expedicionários e participantes das audiências públicas participaram de uma história de vida e de construção de um Brasil melhor, socialmente justo e ecologicamente correto. Que haja progresso, mas sem tanta agressão socioambiental!

¹Referente a Mário Palmério (1916-1996), educador, político e romancista nascido em Monte Carmelo (MG); escreveu Vila dos confins, Chapadão do bugre, O morro das sete voltas (inédito).
²Referente a João Guimarães Rosa (1908-1967), médico, diplomata e escritor natural de Cordisburgo (MG), autor de Sagarana, Corpo de baile, Grande Sertão Veredas, dentre outros.
³Referente a Euclides da Cunha (1886-1909), engenheiro, escritor e ensaísta, nascido em Cantagalo (RJ), autor de Os Sertões, sua obra prima.

Fonte: FOLHA DO MEIO AMBIENTE


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