A Região



1) A região da Serra da Canastra 
e do Samburá


São Roque de Minas 
Vargem Bonita 
Medeiros 

Um abraço às nascentes 
Pelas nascentes histórica e geográfica 

Onde se tem uma vista da paisagem palmeriana na região das cabeceiras, 
e se dará o abraço a uma das nascentes do rio São Francisco 
na Serra da Canastra. 


Levantamos bem cedo no sábado, tomamos um reforçado café da manhã e rumamos para a serra da Canastra e entorno, que é uma vasta região, não apenas o cartão postal das poças d’água cristalinas em meio aos capins e vegetação rupestre, que todos conhecemos. Para lá fomos o Murilo e eu vistoriar as condições das estradas de terra, uma vez que por aqui breve passaremos de ônibus. Ao volante num pálio da prefeitura, o senhor Célio Alves que já conhecia aqueles caminhos, passando pelo caminho mais curto, o de Doresóplis. Sem maiores problemas, na noite anterior no hotel aproveitara para descrever um roteiro a ser percorrido por terra cruzando os primeiros cursos d’água formadores do rio São Francisco. 

São Roque de Minas é daquelas cidadezinhas típicas de Minas Gerais encravadas nas montanhas. Seu antigo nome era Guia Lopes, herói para uns e vilão para outros, no contexto da guerra do Paraguai. Taunay imortalizou-o em “Inocência”. Situada nas fraldas da Canastra, tem seus contornos delineados pelos altos montes e picos que a cercam. Além do rio São Francisco (a Casca d’Anta é uma cornucópia de riquezas) daqui se espalha para todo o Brasil os famosos queijos Canastra. Daqui também está se espalhando para todo o vale o turismo ecológico, dentro de planos, padrões e critérios sustentáveis e ecológicos. As fazendas tradicionais descobriram um verdadeiro veio ou filão de diamantes, adaptando-se aos novos tempos de desenvolvimento sustentado. Desde o padrão rústico até o sofisticado. A 30 km, seguindo os passos de São Roque no ecoturismo (esta situa-se a 18 km do rio), fica Vargem Bonita a meio caminho para a Casca d’Anta, a primeira cidade, o primeiro núcleo urbano banhado pelo rio São Francisco. Esta cidade ao lado de Medeiros e Doresópolis, são pequeninos cartões postais entre montanhas, com população urbana em tormo de mil habitantes, das menores de Minas Gerais. Pelo caminho, pequenas fazendas de gado leiteiro, e após uma curva, uma casa de fazenda bastante rústica e florida com cobertura de ardósia, com as paredes mostrando as marcas do tempo. 

Lugares bonitos lembram o bucolismo e a poesia: 

Quando o corpo recebe o primeiro sinal. a nascente do rio. 
ela fez-se/ fino pulso/ fio de cobre /torneira aberta/ gotejamento/ miúda minou da grota/ surdiu da rocha/ volteando pelo caminho: (...) // 

O início da viagem na serra da canastra. a descida da cachoeira de casca d’anta dentro de um barril. 
água desce murmurosa/ entre as pedras brune o musgo/ e dispõe-se nos permeios/ na garganta institui-se o funil/ é gerado o perigo – a queda – (...)// 

o barril afunda n’água/ e torna a emergir/ trançado em cilíndrica aparência/ ele nos contém e conduz/ ao profundo júbilo/ que reserva a queda// casca d’anta é o início/ das águas que escorrem/ por isso mais límpida/ sua contribuição/ao rio que será (...). 
Álvaro Andrade Garcia, in: “Viagem com o rio São Francisco – De Casca D’anta...” . 

Ainda hoje nesta região se pratica a transumância, que é a migração periódica do gado da parte baixa das cotas 900 no inverno, para as altas montanhas acima de 1.200m de altitude no verão, domínio da paisagem rupestre coberta por capim “macega” – gramínea dos campos de altitude que quando seco e crescido dificulta o trânsito - em meio às liliáceas e outras diferentes espécies rupestres, onde as árvores não vicejam. Quando muito estas estão aos tufos no que prefiro chamar de ‘mato dentro”, os capões robustos que surgem das gargantas e encostas apertadas dos vales profundos e úmidos. 

A serra da Canastra é um tijolo lançado do espaço pelos Titãs ou uma sandália de pedra perdida na noite dos tempos por um enfurecido deus Tupã. Vista nas imagens de satélite, a imensa formação escarpada jás imóvel junto aos contrafortes da serra Brava, das Sete Voltas, do Tabuão, da Zagaia, da Babilônia, e todos aqueles planaltos que a circundam enquanto a vista alcança. Preservar este conjunto orográfico é vital para as centenas de nascentes que se lançam nos abismos em cascatas, fluindo não só para a bacia do São Francisco, mas para o rios Grande, Araguari ou Velhas, Paranaíba e outros afluentes ou formadores do rio Paraná. Os municípios de Delfinópolis e Sacramento também são abrangidos pelo Parque Nacional da Serra da Canastra, porém situam-se na bacia do rio Grande/Paraná. 

Certa vez perdi meus óculos de sol nas macegas destas alturas, e sempre que aqui chego, brinco com os sãoroquenses: se virem uma ema ou siriema (estas cantam pelas ruas nas frias manhãs), com óculos e um lenço de seda no pescoço, saibam que os óculos são meus, porém o lenço é da mulher que se perdeu há tempos nos ermos, hoje uma lenda. St. Hilaire cruzou nestas alturas com 

...“uma série de carros puxados por três ou quatro juntas de bois, carregados de toucinho e conduzidos por homens brancos [ainda vigorava a escravidão]. Perguntei-lhe de onde vinham e fiquei sabendo que tinham partido de Araxá havia doze dias e seu destino era S. João del Rei, onde deviam chegar ao fim de um mês.” 

Nestas alturas hoje imperam e uivam os lobos, vagueiam tamanduás, onças, raposas e outros carnívoros, desdentados, roedores, répteis e outros, além de uma variada fauna alada. Para quem quer ir mais longe sobre os carnívoros em extinção: www.procarnivoros.org.br., e para aqueles que não esquecem os uivos dos lobos nas noites de lua cheia e dos ventos uivantes destas montanhas, a melhor leitura é o antológico “Os lobos não choram”. Um lobo é sempre um lobo, um animal dócil como qualquer outro, que merece o nosso respeito. 

Mas as nascentes do grande rio ficaram na obscuridade por longo tempo devido à imensidão do território e às dificuldades de acesso ao interland, conforme se lê no austero St. Hilaire, um dos primeiros pesquisadores a percorrer aquelas paragens desoladas, em 1818: 

“Descreverei na minha “Viagem às nascentes do rio S. Francisco”, a cascata da Casca d’Anta, de que obra nenhuma que eu conheça, falou até aqui. Vi essa cascata sair da montanha; mas devo assinalar que não observei o ponto em que suas águas se escapam da terra. Foi, aliás, nos nossos dias, unicamente que se começou a ter idéias mais precisas sobre as nascentes do S. Francisco. Antigamente, diz o historiador do  Brasil, julgava-se que o S. Francisco saía de um lago famoso em cujas margens se situava a cidade fabulosa de Manoah, e pretendia-se que os naturais do país usavam ornatos de ouro. Fizeram-se pois, tentativas para chegar às nascentes do rio, e para esse fim, organizaram-se expedições em todas as capitanias do Brasil. No entanto, esses esforços não tiveram o resultado ambicionado, pois que, se se subiu o S. Francisco até distância considerável do oceano, em 1810 Southey ignorava ainda em que lugares começava esse rio, e supunha que podia nascer das mesmas montanhas que o Paraguai e o Tocantins (Hist. of Brazil, I, p. 534). Obs: Depois que tudo o que precede estava escrito, encontrei a frase seguinte na última obra de Eschwege: “Perto da da fazenda da Dasca d’Anta chega-se a um rochedo cortado a pique, que tem certamente mais de mil pés, e pertence à Serra da Canastra; lá escapa-se de uma profunda depressão uma das principais fontes do rio S. Francisco, que forma uma cascata digna de ser vista”. St-Hilaire, em: Viagem às províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. 

Como o sábio francês cita em “Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais”, para “descrever e para conhecer este magestoso país, temos que nos situar ora no real, ora no imaginário”, e assim também vou descendo as águas de mistério e tecendo com paciência uma rede. O referido lago encantado não é outro senão aquele que ora podia estar nos Andes peruanos, ora nas selvas de onde hoje fica Roraima, o Manoah-Parima, ora no centro-oeste brasileiro. Essas conjeturas fabulosas injetavam ânimo nos desbravadores, e foi assim embrenhando nas selvas que a geografia brasileira foi desvendada. Um mapa holandês de 1650 já trazia esse lago. Ainda hoje 500 anos após a descoberta da foz, as nascentes são obscuras, e tenho em mente um projeto para “redescobri-las”, e estender as áreas protegidas às nascentes do Samburá. Na citação acima hoje sabemos que não era infundada a lenda, uma vez que tributários do Tocantins, do S. Francisco (rio Preto) e do Paraná tem nascentes comuns nas “Águas Emendadas”, hoje uma estação ecológica do Ibama, a poucos quilômetros de Brasília, e não sendo propriamente um lago, é uma área bastante alagadiça, pantanosa. 

Estamos preocupados com os rios e as lagoas, os lobos, os tamanduás, é verdade, e no caso do São Francisco que conheço de perto, penso que nós brincamos com ele, como se tivéssemos mais um de reserva. O grande rio é, desde as nascentes, lendário e mágico, ou assim cada um o vê, nele navegando ou com ele sonhando: 

“Conta uma lenda que, em noites de lua cheia, São Francisco desce em carne e osso, da estátua que lhe fizeram na entrada do Parque Nacional da Serra da Canastra, e passeia pela imensidão da paisagem. Pelo caminho, ele vai recontando os animais, como o lobo-guará e tamanduás-bandeira (protegidos ali da extinção). Ajunta os que se perderam. Cura os que estão feridos. E colhe ramos de arnica e carqueja, que são remédios para todos os males. Quando a madrugada é alta e a manhã não tarda, o Santo, já cansado, bebe a água da nascente e lava ali o seu rosto. É quando ele, que se faz peregrino para além da área protegida do parque, levanta o seu olhar compadecido para o curso do rio e seu povo. Um olhar que parece dizer: ‘Não adianta proteger o veio que nasce, e matar o corpo que anda.”’ Ronan de Freitas Pereira, presidente da Vallé, do grupo Carfepe, empresa de biotecnologia em Montes Claros-MG, in: caderno “JB Ecológico” n° 01, Rio de Janeiro, 31/03/02. 

Fico surpreso ao ler que também executivos de grandes empresas abraçam o rio, vejo que assim as águas poderão correr como sempre correram e poderei dormir mais sossegado. Dormir sossegado? Maior a gratidão ao saber que a fábula acima foi resgatada pelo engenheiro Ronan, beatlemaníco, voador de asa delta e vejo agora pelos jornais, fabulista, contista, encontrando em meio aos seus inúmeros afazeres de homem de negócios tempo para dedicar ao rio que tão bem conhece. E acima de tudo meu amigo e compadre. Quando tratamos de águas, montanhas, da natureza em geral, dos planetas e coisas afins, escapulimos do dia a dia, do mundo bitolado dos negócios, da vã técnica, da vã ciência, e caímos no amplo mundo dos pensadores e dos filósofos. A mitologia é outro vasto mundo aberto sobre o passado e o futuro das águas e tudo o mais, com as suas cosmogonias dos tempos remotos para explicar as origens dos mundos. 



A “Carta de Jan Jansson” (1588-1664), elaborada em 1650, tem no centro o Atlântico Sul, ladeado pela América do Sul e a África, vendo-se ao centro as supostas nascentes do S. Francisco e Paraguai. De: “O Tesouro dos mapas – A cartografia na formação do Brasil”. Instituto Cultural Banco Santos. S. Paulo. 2002. 

Percorrer as estradas de terra cruzando os primeiros afluentes do rio São Francisco, vem atraindo pessoas que buscam novas paisagens, horizontes e realidades. Indo mais além até Tapira, Sacramento, Delfinópolis, São João Batista do Glória e Capitólio, subindo e descendo pelas estradas curvas de terra batida, pensamos logo estar naqueles cenários de filmes iranianos. Quem se deslocar até a Canastra saindo de Iguatama pela ponte da carranca na margem esquerda, e retornando pela direita, ou pelo sentido inverso tanto faz, percorrerá o circuito das dez cidades-mães do São Francisco (somando as citadas acima chegam a quinze cidades), e verá todas essas belezas, cruzando um a um por pontes e pontilhões todos os pequenos tributários das cabeceiras, que vem descritos mais adiante. 

Serra da Canastra, o Parque 
Ao chegar em Brasília há dois anos e meio, descobri no Geoprocessamento do Ibama, conversando com a técnica Maria Vitória, uma situação ou fato novo no mínimo inusitado: o parque não é tão grande quanto deveria ser. 

Vamos aos registros, aos emails da época: 

“...Vitória, estive aí ontem, seguirá breve para você cópias dos folders do PN da Serra da Canastra, com as observações: neles é dito possuir uma área de 71.525 hectares, mas o decreto de desapropriação diz 200.000 hectares. Qual é o correto, se ambos são publicações do Ibama? Em qual acredito?...” (05/09/2001). E ela responde-me nos seguintes termos: “A área correta do PN da Serra da Canastra é mesmo 200.000 hectares, pois não temos nenhum documento oficial onde fala que a área é de 71.525 hectares. Quanto à nascente do rio São Francisco, nós não temos permissão para mudar a base hidrográfica que é do IBGE , mas ...”. Este email de 08/03/2001, eu o encaminhei a bem de se criar um movimento para a demarcação total daquele parque, aos seguintes destinatários: 

amda.bhz@zaz.com.br; biodiversitas@biodiversitas.org.br; hiran.firmino@uai.com.br; 
abelardocarvalho.@hotmail.com. folha@folhadamanha.com.br; folhamei@terra.com.br; 
dep.ronaldovasconcellos@camara.gov.br;cm605@pgr.mpf.gov.br;promotur@netfor.com.br; fevasf@nwm.com.br; floralolinto@netfor.com.br. 

Finalmente, agradeci-lhe nos seguintes termos: “Obrigado pelo interesse e profissionalismo demonstrado, enviando-me as informações sobre o PN da Serra da Canastra, cujos contrafortes aí estão, que é a parte inferior domapa do decreto-lei (de desapropriação). É uma pena que apenas um terço da área tenha sido desapropriada, e uma extensa região das cabeceiras do São Francisco e do rio Grande/Furnas tenham chegado ao ponto que aí está e que lá se vê. Vamos continuar com as informações...”. 

Assim, o Ibama considera como área efetiva o que diz o decreto de desapropriação de 1972 para fins estatísticos, mas só demarcou um terço da área, o que vem a ser um absurdo e a opinião pública não sabe; até mesmo no mapa oficial consta a área três vezes maior. Segundo ela, está aí um impasse: ou se demarca todo o Parque, ou o decreto volta ao Congresso para ser anulado e fazer valer apenas um terço do original. 

Também vem dessa época minha posição contra a mineração predatória, em email enviado à autora de matéria
na Folha da Manhã, de Passos-MG: “Tenho lido suas matérias nessa Folha e me surpreendi ao saber de mineração de pedra-de-são-tomé no chapadão da Babilônia, contrafortes da Canastra, observada em imagens de satélite pelo Inpe. Na minha opinião, é necessário antes de tudo licença ambiental através do estudo de impacto ambiental-EIA/RIMa, junto à Feam-MG, pela associação dos mineradores...”, em 15/12/99. 

Com os dados em mãos, levei à plenária da assembléia da SBE para conhecimento dos congressistas e votação, a situação do parque e duas outras moções. Elas foram publicadas no Informativo SBE n.º 78, nov/dez de 2001, Campinas-SP, juntamente com outras 18, aprovadas que foram na Assembléia Geral do 13º Congresso Internacional de Espeleologia e 26º Congresso Brasileiro de Espeleologia, além do 4º Congresso de Espeleologia da América Latina e Caribe, eventos ocorridos em Brasília em julho de 2001. As moções foram assinadas por José A. Basso Scaleante, presidente da SBE e José A. Labegalini, presidente da UIS, e encaminhadas. Vamos à moção, referente a esta conhecida unidade de conservação: 

“Ao doutor Hamilton Casara, presidente do Ibama, ‘para que seja demarcada em sua totalidade a área de 200.000 hectares do Parque Nacional da Serra da Canastra. Até o presente só foram demarcados 71.525 hectares da referida área, não obstante o Ibama tenha-se orientado oficialmente pelo decreto que prescreve área total de 210 000 hectares. Tal consideração, analisada pelo conjunto de membros votantes por assembléias foi considerada oportuna, tendo em vista a necessidade de fazer valer o disposto no decreto vigente’”. 

Como é dito à página 10 da Revista SBE “a implementação desses planos (e moções) será o desafio a ser vencido pelas novas diretorias da SBE, FEALC e UIS”. É bom esclarecer que o brasileiro José A. Labegalini foi eleito por quatro anos como presidente da UIS em acirrada eleição, presentes 43 países-membros. A sede da UIS fica em Monte Sião-MG (foi sede da SBE por dez anos), terra natal e onde vive o espeleólogo e engenheiro Labegalini, conforme se vê nos belos artigos do amigo José Carlos Faraco, que participaria da expedição, mas cancelou sua inscrição por motivos de força maior. Campinas é a atual sede da SBE. 

Uma vez erradicada recentemente a mineração predatória de diamantes no leito e barrancos do rio no trecho entre Vargem Bonita e a Casca d’Anta, um novo tipo de exploração se vislumbra: a empresa sul-africana De Beers (aÁfrica do Sul controla 75% dos diamantes no mundo) vem pesquisando desde 1972 em estilo laissez faire e efetivamente com sondagens desde 1997, a área adquirida na serra da Babilônia em frente à Casca d’Anta a dois km. Terá início, assim, a mineração industrial, assentada em um rico veio de kimberlito na cratera de um vulcão extinto, visto com perfeição nas imagens de satélite. Outro vulcão extinto existe no topo da serra Brava, em pleno parque nacional. Nesses veios kimberlíticos estão 90% dos diamantes, os outros dez estão nos aluviões fluviais. O kimberlito é uma rocha magmática vulcânica brechada, essencialmente composta de olivina alternada e outros materiais; é umperidotito encontrado nas chaminés diamantíferas de Kimberly. É a rocha matriz do diamante, e ocorre sob a forma de chaminés ou diques. A ampliação do parque para atender o decreto abrange essa área da Babilônia, assim como o topo, que será ocupado com lavoura de soja sem EIA/Rima. Ambientalistas de todo o país vem denunciando este estado de coisas. 

Sobre a importância deste parque, reporto-me a um estudo da Fundação Biodiversitas (1999), “Ações prioritárias para a conservação da biodiversidade do Cerrado e Pantanal”, e do mapa de prioridades para a conservação da biodiversidade de Minas Gerais, da mesma instituição. Descobrimos então que são duas as preocupações para com as nascentes do rio São Francisco: a primeira, demarcá-lo na sua totalidade, e a segunda, protegê-lo com ações de manejo. A legenda do mapa em “Ações...” diz para a serra da Canastra: 

“importância biológica extrema”, além de indicar que “o manejo é a ação prioritária de conservação” do parque nacional.

 Para a região da Mata de Pains o mapa diz:

 “importância biológica muito alta”, e a ação prioritária indicada é “criação de uma unidade de conservação”. 

Os primeiros rios, ribeirões e córregos 
Aqui os nomes dos cursos d’água vem da época dos portugueses desbravadores, das tropas de burros, do tempo da escravidão: serra da Canastra, rio Samburá, cachoeira do Forro, as Buracas (bruacas de couro grosseiro, hoje nome de um logradouro), etc. 

Quem conhece bem as alturas da Canastra e planaltos do entorno é a senhora Renilda e o Reginaldo, cuja propriedade foi desapropriada no Chapadão do Diamante exatamente nas nascentes do rio São Francisco e hoje são hoteleiros locais bem sucedidos, além do Denilson, o vereador Valdir Cruvinel, o Rafael e o André Picardi, o prefeito Cairo. Nos altos platôs dominam as pastagens e o gado leiteiro, e mais embaixo as culturas de café em curvas de nível; mais recentemente chegou a cultura da batata irrigada por pivô central, uma forma de lavoura condenável para esta região de frágeis corpos d’água. Desde esta cordilheira com altitudes variando de 1.486 metros a 1.300 e 1.200 metros, avistamos as partes baixas nas cotas 900 e 700 metros até Iguatama junto ao rio, vendo-se aquele “mar de morros” de topos pardos e degradados dos cambissolos nesta estação fria e seca do inverno, lembrando os montes nevados setentrionais. Lá neve, aqui pré-desertificação por desmatamentos e sobrepastoreio, alguma deve estar muito errada. 

Fiquei sabendo por um roda-pé de Pohl (Viagem no interor do Brasil), que “os portugueses distinguem um rio navegável e um que só se navega durante a época das chuvas com nomes diferentes. O primeiro chama-se rio e o último ribeirão. Chamam a um riacho corgo ou córrego e a uma fonte olho”. Acrescento a esta sinonímia os termos riacho, regato, o arroio gaúcho e até um riozinho maranhense, além dos igarapés e igapós amazônicos, que tudo somado forma a imensa rede hidrográfica brasileira, e no nosso caso, a bacia sãofranciscana que estamos percorrendo, como a seguir: 

Rio Samburá 
Este rio guarda em si mesmo uma caixa de segredos e de polêmicas, que só virão à tona no devido tempo, não
agora narrando por ocasião da expedição que não tem como objetivo desvendar segredos, mas sim lançar um rito de guerra pelos grotões da bacia. O rio Samburá é o primeiro “grande” afluente da margem esquerda do São Francisco (ou é este daquele?). Nasce a uma altitude de 1.290 metros, na Serra d’Água, um contraforte da serra da Bocaina, na vertente sul do planalto do Araxá, no município de Medeiros, que tem altitude de 950 m. Recebe as águas do rio Santo Antônio e após percorrer 147 quilômetros deságua no rio São Francisco num desfiladeiro chamado cânion de São Leão, na cota 660 metros. 

É um rio cênico coberto por mata-galeria de quaresmeiras e manacás-da-serra floridas de março a outubro, e uma sucessão de ipês amarelos e bosques verde-avermelhados em agosto e setembro, uma região de pastagens pardacentas no inverno e verdejantes no verão, entrecortadas por vales e montanhas. Constitui uma das belezas naturais da bacia sãofranciscana. São paisagens palmerianas por excelência, saídas da pena do grande escritor Mário Palmério em Chapadão do Bugre, Vila dos Confins e O Morro das Sete Voltas (inédito). 

Rio Santo Antônio 
É outro rio cênico, palmeriano. O rio Santo Antônio nasce na serra da Canastra a 1.360 metros de altitude com o nome de córrego Mata Cavalo em um braço, e córrego dos Cochos no outro, no município de São Roque de Minas. Deságua na margem direita do rio Samburá na cota 720 metros, após um percurso de aproximadamente 73 km. Recebe as águas do rio do Peixe, que banha São Roque. Como o Samburá, é um rio encaixado de montanha, um rio cênico de rara beleza, coberto por quaresmeiras e ipês em meio a pastagens entrecortadas por vales e montanhas. 

Lendas. Lenda é o amarelo-pardacento que vai grudando nas páginas de um velho livro de lendas. Ninguém sabe de onde vem nem quando começou, e ninguém será capaz de retirá-lo. Onde tem fogo tem fumaça, onde tem amarelo-pardacento tem lenda, onde tem fenômenos e coisas instigantes, tem lenda. A lenda está na alma do povo, no seu imaginário. Sobre esses dois cursos d’água, vai aqui uma lenda que certa vez ouvi andando nos altos destas serranias, e está grudada na 365ª prega da saia de pregas de uma velha de 99 anos, como li naquele velho livro de lendas. O velho pescador Lico Paiva a contava assim: 

Conta-se que Deus quando fêz o mundo, já cansado, delegou a seu imediato deus brasileiro Tupã e ao filho deste, engendrar e rasgar nessa região montanhosa dois rios, juntando-os num lugar combinado. O pai levantou-se cedo e pôs-se a cavar o leito sem pressas. O filho acordou tarde, quando o pai já estava quase a meio do trabalho. Lançou-se atrás dele, cavando o leito à lufa-lufa, à flor da terra e com intrincadas voltas. Daí a calma e gravidade do Samburá, feito pelo pai, enquanto o Santo Antônio, obra do filho, mostra um caráter caprichoso e agitado. Entretanto, ambos os rios tem a marca de uma beleza singular, encontrando-se a meio caminho em um caprichoso abraço entre seixos rolados. 

Ribeirão Ajudas 
O bonito ribeirão Ajudas nasce na cota 840 metros com o nome de córrego Fundo, no município de Medeiros. Após um percurso de 77 quilômetros deságua no rio São Francisco pela margem esquerda, na cota 640 metros e 13 quilômetros a jusante da foz do Samburá, município de Bambuí. E’ um rio encaixado na forma de cânion no trecho inferior. Conta uma lenda local que João Alves era um fazendeiro mau que maltratava os empregados, e em vigança, foi lançado no despenhadeiro, rolando pelas corredeiras, vindo daí o temor que os pescadores tem de navegar pelos canions à noite. 

Cânion do São Leão 
Cavado pelas águas do rio São Francisco ao atravessar uma formação calcária, na época dos dinossauros, o  cânion do São Leão é um desfiladeiro com extensão de 35 quilômetros no rio São Francisco, com início a cerca de três quilômetros acima da confluência do Samburá com aquele, constituído por paredões cársticos ou calcários superiores a 80 metros de altura. Vai até cerca de três km a jusante da pequena cidade de Doresópolis. Aqui o rio São Francisco tem seu curso bruscamente desviado para a esquerda por um enorme paredão denominado “Igrejinha”, que avança seu alto teto ou abóboda em ângulo de 45° sobre as águas agitadas até a outra margem. A Igrejinha é um maciço monolítico calcário em bizel, por onde passam debaixo as águas do São Francisco. O impacto das águas é tão forte que o rio muda bruscamente de rumo, querendo retroceder. Expedições de canoagem e outras até Iguatama e Três Marias tem largada na ponte do São Leão. 

Rio Piumhi 
O rio Piuí tem uma extensão de 65 quilômetros e nasce a cerca de 1.015 metros de altitude no município de Piuí (ou Pium-hy) nos contrafortes do chapadão da Babilônia. Pertencendo à bacia do rio Grande, teve o seu cursodesviado para o ribeirão Água Limpa na bacia do rio São Francisco quando da construção da barragem de Furnas para evitar extravasamento. O Água Limpa deságua três quilômetros abaixo da foz do Ajudas. Entre este rio e o ribeirão dos Patos fica o encaixado Araras, que nasce no divisor com Furnas/rio Grande, no município de Pimenta, onde ambientalistas querem implantar uma APA. 

Ribeirão dos Patos 
O ribeirão dos Patos nasce a 850 metros de altitude no município de Pimenta, próximo ao lago de Furnas. Tem um percurso de cerca de 65 quilômetros. Possui um rico ecótono de lagoas e banhados, ao lado de cavernas e paredões cársticos, como os do Capoeirão e Jatobá, na Mata de Pains. Divide os municípios de Pains e Pi-umh-y, e Doresópolis e Iguatama. Sua foz fica próxima aos limites dos municípios de Doresópolis e Iguatama, desaguando na margem direita próximo à lagoa de Inhumas. É um curso d’água cênico pelas belezas naturais que atravessa. 

Rio São Miguel 
O rio São Miguel nasce na cota 875 metros com o nome de córrego da Barra, próximo à gruta do Angá ou do Mastodonte (fóssil descoberto em 1998), na divisa dos municípios de Pains e Córrego Fundo, divisores de Furnas do rio Grande. Banha aquela cidade e o distrito de Calciolândia, desaguando no rio São Francisco na cota 630 metros, entre os municípios de Iguatama e Arcos. Seu comprimento é de 53 quilômetros. Como o ribeirão dos Patos, corre paralelo a uma distância aproximada de trinta e cinco quilômetros no sentido sul-norte, atravessando toda a Mata de Pains por entre cavernas e paredões, um ecossistema cárstico do Grupo Bambuí. Ambos se enquadram como rios cênicos pelas belezas naturais. Porém - não é recomendado falar disto quando estamos descrevendo paisagens – além de cênico é um rio heróico, uma vez que recebe o esgoto e o lixão da cidade de Pains. Uma associação de moradores vem se organizando para revitalizá-lo desde 1998, liderados pelo fazendeiro Antônio Alves. 

Este rio e o ribeirão dos Patos tem suas nascentes nos divisores com o rio Grande nos municípios de Pains, Córrego Fundo e Pimenta. Ambos correm no sentido sul-norte desaguando-se nos extremos da faixa banhada pelo rio São Franisco no município de Iguatama. Vamos a uma lenda sobre a origem dos rios-irmãos, contada por Lico Paiva: 

Uma tradição diz que no início dos tempos o rio São Miguel corria onde hoje fica a Bocaina e Sumidouro. Naqueles tempos remotos o São Miguel caía no ribeirão dos Patos, nos limites dos municípios de Arcos, Pains e Iguatama. Nessas remotas eras eles eram dois rios fartos de peixes e riquezas da terra. Um dia um velho pescador dono daquelas terras, sentindo que ia partir, doou as duas metades do rio para cada filho. Mas tão logo o velho morreu eles se desentenderam pela posse da barra do rio que cada um dizia ser sua e ficava na altura do Capoeirão e Jatobá. Não chegando a um acordo, eles viram surpresos o rio São Miguel mudar de curso, e desde então eles correm paralelos do sul para norte, tão bonitos quanto antes em meio aos maciços calcários. 

Desse tempo restou uma linha de ressurgências onde nascem os córregos do Atalho, Doce, Marins-Desterro e outros riachos. São tão parecidos nas suas origens, destinos e características, que podemos considerá-los gêmeos. São dois tentáculos abraçando a Mata, dois longos abraços, tendo cada um na sua foz duas pérolas, as lagoas de Inhumas e Piranhas. Mas ao contrário do Samburá e Santo Antônio, eles não mais se juntam. Os dois rios - o São Miguel e dos Patos -mais o grande rio São Francisco, unem a água com a pedra e a pedra com a água e as matas que os envolvem, num processo maravilhoso como aquele da formação das estalactites, estalagmites e outras maravilhas das cavernas, dos rios, das lagoas marginais e das matas. Não valerá a pena proteger tudo isto para esta e as futuras gerações?

Lagoa de Inhumas 
A região das Dez Cidades Mães do São Francisco ou das Cabeceiras tem o privilégio de ter ao alcance da vista as nascentes de dezenas de pequenos rios, ribeirões, riachos e córregos, além de um complexo de lagoas anualmente alimentadas pelas águas das cheias daquele rio. Desconhecendo e burlando as mais elementares regras de respeito à natureza, fazendeiros medievais vem esgotando, drenando essas lagoas, acreditando mais no valor da terra do que da água. Será preciso que os deuses façam outra serra da Canastra com o desaterro das lagoas hoje assoreadas? Impedirão que os jequitibás cresçam e brote das folhas o orvalho? Quando a razão não convence, quando meu coração dói ao não vê-las mais cheias até as bordas, nem os casarões demolidos que as cercava, como as de Cunhas, das Piranhas, Redonda, Preta e outras, há que se buscar a metáfora, a lenda. Aqui mais uma vez ela vem na voz de Lico Paiva, o velho pescador iguatamense: 

“A lagoa de Inhumas e todas as outras suas irmãs rio abaixo, foram escavadas quando Deus fez o mundo. A terra retirada foi amontoada mais acima, surgindo assim a serra da Canastra. E das suas entranhas, de dentro das pedras e dos capins que se formaram, brotou um jequitibá gigantesco. E as suas raízes eram tão fortes e profundas que buscavam a água dos veios. Assim, dos veios de diamantes brotou veios de água cristalina. E do maior veio e do mais alto galho nasceu o rio São Francisco que rolou, rolou e caiu na Casca d’Anta rumando para o mar, tão longe que ninguém sabe onde fica. De outros dois veios dois galhos nasceram, surgindo os rios Samburá e Santo Antônio, que correram na vertente contrária. Para trás, contrário a todos os outros, de outro galho fluiu o Araguari, que correu e foi desaguar no Paranaíba e este no Paraná. E das folhas minou o orvalho e derreteram dos capins as geadas, que rolaram pelos flancos das escarpas, formando as cachoeiras que despencam pelos precipícios num eterno, cristalino e doce murmúrio. ” 

Córrego de Marins-Desterro 
O córrego de Marins-Desterro deságua no rio São Francisco após percorrer quatorze quilômetros. O córrego do Atalho corre paralelo a ele e vem sendo drenado e degradado a olhos vistos. O Desterro nasce em um brejo coberto de taboas e lírios d’água na fazenda Marins a 705 metros de altitude no município de Iguatama, a dois quilômetros de Jatobá e Bagres, com seus paredões e cavernas cobertos por mata estacional (subperenifólia). Meu pai que era observador, empírico, dizia que existe comunicação de córregos subterrâneos entre o ribeirão dos Patos e outros tributários. O brejo de Marins, antes uma lagoa e hoje coberto por vegetação aquática, teria origem em uma ressurgência, fenômeno comum em regiões cársticas. Nos meses de muita chuva minas cristalinas brotam nos tufos de capim e do bambuzal e escorrem para o brejo de Marins. Em anos muito chuvosos surgem ressurgências em Jatobá, detrás da vertente, e verdadeiros riachos de águas tempestuosas impedem a passagem a vau, cortando as pastagens em duas partes. Como é próprio desses veios d’água, dias depois desaparecem. As cabeceiras do brejo de Marins estão em parte protegidas, apenas uma pequena fração de 23 hectares, de propriedade do autor destes relatos, devendo ser averbadas como reserva RPPN – reserva particular do patrimônio natural - junto ao Ibama, na totalidade da área. 

RPPN Vasco Vieira-Marins 
O minúsculo curso d’água de Marins-Desterro foi acima descrito por dois bons motivos: o primeiro porque mantenho a duras penas na sua nascente uma área remanescente de mata atlântica, que vem se reconstituindo como mata secundária desde 1981 nas cabeceiras do brejo, a ele ligado por corredor ecológico, onde vivem tamanduásbandeiras, tatus, serelepes (esquilos), cobras e lagartos, debaixo de um emaranhado de aranhas. Tucanos, pássarospretos, tizius, gurrichas, cambaxirras – um pássaro tão pequeno como beija-flores, com um ninho em forma de capucho e entrada por um pequeno furo – também são inquilinos. Minha grande alegria foi ver recentemente a volta de dois canários-chapinha habitando o mato. 

O segundo é porque aqui nasci e onde aprendi as primeiras letras com professoras de Formiga e de Santo Antônio do Monte, residentes na própria fazenda. Passei aqui minha primeira infância, onde ordenhavávamos vacas nas férias escolares; foi aqui que descobri a beleza do mundo natural. Aprendi a ler soletrando Seleções do Readers Digest carregada de ideologias, mas com descrições belíssimas das mais diversas paisagens, pelo menos isto eu salvei. Lembro-me de um livro com desenhos a bico de pena, em que um casal com seus dois filhos descia o rio São Francisco em vapor desde Pirapora, narrando-lhes o que viam e este foi meu primeiro contato escrito com o rio da minha aldeia, citando Fernando Pessoa. Havia também um velho atlas sobre ciências, geografia, enfim tudo, muitas gravuras e desenhos e pouco texto, como devem ser os atlas. Talvez venha daí meu gosto por eles e por expedições. E’ no casarão em Marins que estou nestas festas de fim de ano, revendo os dados e anotações, buscando informações. O sicômoro já velho de quinze anos tremula suas folhas lá fora, parecendo videiras ao vento junto à sebe da entrada. Ele surgiu de sementes que eu trouxe do Egito. Estou conversando com as coisas, com meu mundo, o mundo que me cerca. É aqui que converso com minhas árvores e recordo. 

Daqui avisto as ralas matas cobrindo os topos calcários do Jatobá ao sul, e mais ao longe a serra de Pium-hi, a mata do Joaquim Batista ao norte coberta de neblina porque ainda é cedo, a mais fechada e escura mata original ainda existente no município, onde os bugios chamam a chuva aos berros e a neblina tudo cobre nas frias manhãs de inverno ou nos dias chuvosos do verão. Vejo a estrada do morro e a curva onde caí da carroça de rodas de madeira radiada e ferro que passaram sobre minha perna e meu irmão jogou terra para estancar o sangue; deste dia guardo na perna esquerda as cicatrizes. Lembro-me do burro Relógio puxando a carroça, e do Pampinha que galopava arfando logo atrás com pelo menos meia dúzia de meus irmãos montados em pêlo. Vejo o brejo a poucos passos daqui, coberto de taboas e lírios d’água que se deitam nas ventanias e temporais. Daqui ouço o coaxar dos sapos e rãs ao escurecer, uma singular sinfonia da natureza. Havia um que chamávamos de “sapo-ferreiro” ou “sapo-martelo”, devido ao coaxar alto, isolado, forte, compassado, no que o outro respondia de lá. Cobras enroscadas nas macegas à beira do brejo não nos metiam medo, e por ali andávamos à solta. Marrecos ariri, saracuras e frangos d’água faziam revoadas; pelas três da tarde eu saía a cavalo juntando as vacas paridas e os bezerros, ouvindo encantado as codornas, nhambus e perdizes levantando assustados vôos repentinos. 

Hoje estão praticamente extintos devido ao uso de herbicida Tordon nas pastagens do lado de lá do brejo por um vizinho medieval, que somado a isto e após derrubar a última árvore para não sombrear o capim braquiária, não sente pejo em drenar o selvagem brejo e invadir propriedades alheias. Vejo num mapa que esta região consta como “alta aplicação de agrotóxicos/pesticidas” (Planvasf, 1988). Espalhados no chão a meus pés, estão mapas, um manual “Aves do Brasil” e de beija-flores do Augusto Ruschi, e Livros Vermelhos da flora e fauna em extinção, da Biodiversitas. 

Aqui vivem meu irmão Alonso, sua mulher Fátima, o Fabrício e o Alisson, que faz agora engenharia de telecomunicações em Santa Rita do Sapucaí. Dentro em breve a mata secundária será registrada como reserva
ambiental vitalícia: RPPN Vasco Vieira-Marins. Construirei aí uma capela de pedra de duas águas e alta torre, estilo alpino, em honra a três santos: João Batista – uma homenagem à pequena Luana, nascida nesta data -; Catarina de Alexandria - a donzela martirizada numa roda dentada nos primórdios do cristianismo e homenageada por Justiniano, construindo a fortaleza-mosteiro do Sinai -, e Maria Egipcíaca, a pecadora arrependida que refugiouse entre leões nos arredores do mar Morto. Espero que eles ajudem a proteger minha mata, meus tamanduás, meus tucanos, meus serelepes, minhas aranhas... Como são três santos, haverá sempre um de plantão a cada oito horas e a mata e os bichos da mata estarão protegidos. 

Aqui será o primeiro ponto de apoio para o Caminho do São Francisco por via terrestre no Circuito das Cabeceiras ou das Dez Cidades Mães. 

Meu querido irmão Vasco morreu jovem e era aqui com ele e meus outros irmãos que corríamos livres à larga; é dele o nome deste pequeno mundo onde de vez em quando me escondo, como no último setembro, quando plantei 72 mudas de diferentes espécies de árvores trazidas do IEF em São Roque, dentre elas o angá, a sangra-d’água, o ipê, o jatobá, o jequitibá, o pau-d’óleo, o jacarandá, etc, além de 25 pinheiros-do-paraná que aqui se aclimatam bem. Nesses dias me embrenho pelo mato abrindo caminho nas teias de aranha em meio a macega, plantando mudas e lançando sementes. Hoje de novo isto ocorreu, e para minha surpresa vi uma revoada de tucanos: primeiro alçaram vôo quatro deles do goiabal, depois mais três que se juntaram nos ares, depois mais seis, e assim totalizaram dezoito bicudas aves em uma formação sincrônica. 

Paisagem 
A paisagem dominante nessas sub-bacias é uma vegetação cobrindo um relevo movimentado, com suas variações locais de tensão ecológica, a transição mata atlântica e cerrado, reflexo dos vários tipos de rocha, de solo, do relevo e do clima. Vegetação rupestre ocorre na Canastra. O bioma cerrado ou savana com sua vegetação típica e relevo mais plano só vai ocorrer de Abaeté e Três Marias para baixo. Segundo Köpen, os cerrados tem o clima tropical AW, com precipitação pluviométrica variando entre 2.000 e 750 mm/ano, com duas estações bem definidas: uma estação seca, incluídos o outono e o inverno, e uma estão úmida e chuvosa, a primavera e o verão. Ocupando 23% do território nacional, tem ocorrência desde o Paraná até Roraima em proporções variáveis. O cerrado aberto em topografia mais plana e solo arenoso é denominado gerais, que só vai ocorrer a partir do médio São Francisco. 

A biodiversidade do cerrado é alta, necessitando de pesquisas científicas e aplicadas. Como exemplo cito uma planta comum por aqui, o açoita-cavalo, conhecida ainda como mutamba-preta e vatinga, árvore do gênero Luhea, da família das tiliáceas. Sua madeira um tanto dura, é usada para o fabrico de nada menos que aquelas conhecidas e caras cadeiras de origem austríca Tonnet, uma vez que aceitam envergamento e enrodilhamento sem danos. Falando de móveis, uma árvore exótica adaptada no alto São Francisco é o vimeiro (Salix viminalis) e o salgueiro-chorão (S. babilonica), usados em movelaria e facilmente propagados por estaquia em pontos úmidos e beira de córregos, sem ser invasora. Em Santa Catarina no vale do rio Canoas, existe um programa denominado “Meninos do Vime”; conheço em Belo Horizonte uma oficina com o mesmo propósito. Plantios de açoita-cavalo e vimeiro são feitos no sul do país, sendo a pesquisa e aclimatação das cerca de 400 espécies desta coordenadas pela Epagri. 

Matas de galeria são comuns nesses córregos, porém vem sendo degradadas ultimamente. Mata de galeria é a vegetação florestal que acompanha os rios de pequeno porte e córregos, formando corredores fechados – galerias – sobre o curso d’água. Uma mata comum nestas cabeceiras não é nem de várzea nem de topo. A chamarei aqui de “mato dentro”, localmente chamados de capões e capoeiras: ela ocorre nas gargantas e grotões das elevações, formando bosques densos e compactos, em destaque o pau-d’óleo, cedro, jatobá, ipê, bálsamo, jequitibá, vinhático e outros, as copas elevadas em destaque na paisagem acantonada, entalada nos contrafortes montanhosos. Embaixo deste extrato surge uma vegetação arbustiva, com ocorrência de cipós, bromélias e orquídeas. Na transição das estações do inverno para a primavera, surgem novas folhas em tons vermelhos e marrons, e uma profusão de cores variegadas somadas ao canto dos pássaros marcam essas paisagens sombrias, muitas vezes fontes de regatos e córregos cristalinos. 

A mata ciliar é a vegetação florestal que ocorre ao longo dos rios de médio e grande portes, em que a vegetação arbórea não forma galerias, ou seja, as coberturas de ambas as margens não se tocam. E’ exigido por lei que a largura das matas, em cada margem, seja proporcional à do leito ou calha do rio. Ainda cobre as margens do rio São Francisco e afluentes nesta região, porém vem sendo agredida a olhos vistos. 

É urgente a necessidade de estender unidades de conservação abarcando toda esta região de nascentes de rios,
assim como estudos detalhados dessas sub-bacias tão pequenas, mas fundamentais hidricamente, e de grande poder simbólico no contexto sãofranciscano. 

Pescoço esfolado do Velho Chico 
Cada dia que visito o trecho Iguatama-Canastra, cerca de 125 km, constato a retirada das últimas matas de topo e dos brejos. Costumo chamar essa região de “pescoço esfolado do Velho Chico.” Vai aqui uma sugestão ao IEF e Ibama: ligar essas matas e áreas úmidas entre si com corredores ecológicos e toda a região em uma APA, além da criação do Parque Estadual da Mata de Pains, tudo interligado ao parque nacional. 

Daí que não foi novidade para mim esta vistoria na companhia do comandante João Murilo da PIPES, e do senhor Célio Alves, funcionário da Prefeitura Municipal de Iguatama, em veículo cedido por esta, para vistoriar as nascentes (baixa vazão) e as condições das estradas de acesso em terra (em bom estado) até o P. N. da Serra da Canastra. Três pontes de madeira no trecho próximo a São João do Barreiro no acesso à Casca d´Danta, não permitem a passagem de ônibus trucados. Nesta região localizavam-se antigos garimpos de diamante, os primeiros e graves focos de agressão ambiental ao rio, felizmente paralizados pelo Ibama. 

Uma empresa sul-africana vem desde 1998 fazendo pesquisas e prospeccções de diamantes e outras gemas nos arredores da Casca d’Anta. Segundo um guia de São Roque, será uma mina subterrânea no olho de um vulcão extinto, já nos contrafortes do Chapadão da Babilônia, área de expansão do parque da Canastra. Haja riqueza e cobiça. São Roque de Minas, sede do parque, foi visitada rapidamente: os assessores do prefeito Cairo Manoel que estava ausente, Arnaldo Matos e Edson, informaram sobre eventos estaduais sobre os 500 anos na cidade e no parque nacional, de 28 de setembro a 4 de outubro. 

Nesta noite à sombra da portentosa serra da Canastra, o comandante João Murilo, o senhor motorista Célio Alves e eu tiramos a poeira da goela com geladas cervejas, que ninguém é de ferro. Compramos alguns queijos
canastra e a boa pinga local. Antes de dormir dei uma olhada e melhorei o que vira neste dia, e rabisquei algumas idéias para não afundá-las no pesado sono daí a pouco. Ainda havia muita coisa para ser feita rio abaixo. Rio acima já fora bem visto. 

No domingo, visitamos no Corumbá em Arcos na Mata de Pains, o Museu Arqueológico da CSN, inaugurado há cerca de três anos. É quiçá esta a área de mais intensa mineração calcária do país.

 Árvores ciliares 
Árvores mais comuns que vegetam nas margens nos cursos d’água desta região: angá ou ingá, Inga spp; embaúba, Cecropia pachystachya; sangra d’água, Cretom urucurana; gameleira, Ficus doliari; tamboril,  Enterolobium contortisiliquum; jatobá, Hymenaea stigonocarpa; pau d’óleo ou óleo copaíba, Copaifera langsdorfii; paineira, Chorisia speciosa; cambuí, Myrcia sphaerocarpa, árvore da família das mirtáceas, de folhas e frutinhas miúdas, uma das melhores fixadoras de barrancos nesta região, crescendo também nas pedras; quaresmeiras em profusão, Tibouchina e Rhynchantera sp, que são árvores e arbustos da família das melastomáceas ou melastomatáceas; bambu e cana do reino (bambuzinho). 

Todas elas rio abaixo deixam cair às águas, com exceção da última, principalmente nas cheias anuais, frutinhas para os peixes e aves, sendo que uma parte delas germina espotaneamente. Caso elas sejam protegidas com cercas, logo logo dominam os barrancos. O problema é que são sistematicamente erradicadas anualmente ao limpar as pastagens e lavouras. Viveiros de mudas destas espécies, que deixam cair nas águas das cheias frutos para a avifauna e ictiofauna, devem ser incentivados. Anualmente, assim que surgem, são roçadas impiedosamente rio abaixo e rio acima, ficando apenas aquelas das quinas do barranco aqui e ali. Mas se deixá-las vicejarem, em dois-três anos já se formam bosques ciliares. Nascentes protegidas, viveiros de mudas e educação ambiental, garantem fontes perenes. As árvores indicadas neste e demais trechos são as que mais se destacam nos barrancos, existindo inúmeras outras espécies que aí vegetam. Torna-se necessário um amplo levantamento botânico visando catalogar todas as espécies ciliares nos vários biomas da bacia. Jamais devem ser tomadas como definitivas e únicas as indicações das espécies que a prática e o bom senso levam-me a indicar aqui; é puramente tentativa esta e as demais relações que virão. 

Coordenadas geodésicas: 
São Roque de Minas: 20º 14’ 43” S e 46º 21’ 57” W; altitude: 810m. 
Serra da Canastra (distrito de S. R. de Minas): 20º 08’ 48” S e 46º 39’ 46” W; 1.200m. 
São José do Barreiro (distritode S. Roque): 20º 20’ 45” S e 46º 28’ 57” W; altitude: 900m. 
Vargem Bonita: 20° 19’ 37” LS e 46° 21’ 57” WG; altitude 760m. 
Medeiros: 19° 59’ 41” S e 46° 13’ 18” W; altitude: 950m. 
Piui: 20º 27’ 59” S e 45º 57’ 26” W; altitude: 794m. 
Doresópolis: 20º 17’ 14” S e 45º 54’ 11” W; altitude: 680m. 
Iguatama: 20º 10’ 28” S e 45º 42’ 40” W; 660 m. 
Garças de Minas (estação/bairro de Iguatama): 20º 11’ 04” S e 45º 40’ 59” W; altitude: 660m 
Corguinhos: (distrito de Iguatama): 20º 15’ 00” S e 45º 50’ 14” W; altitude: 640m. 
Bambuí: 20° 00’ 24” S e 45° 58’ 36” W; altitude: 700m. 
Arcos: 20º 16’ 56” S e 45º 32’ 22” W; altitude: 740m. 
Pains: 20º 22’ 14” S e 45º 39’ 41 “ W; altitude:693m 
Córrego Fundo: 20º 26’ 55” S e 45º 33’ 18” W; altitude: 840m. 

São Roque de Minas, 
12 de agosto de 2001 
Marins (Iguatama), Natal de 2001 













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2) As Dez Cidades Mães 


do São Francisco



A região das Dez Cidades-Mães do S. Francisco ou das Cabeceiras
As nascentes, os primeiros afluentes
A Mata de Pains

As “dez cidades-mães do S. Francisco” é uma metáfora que imaginei para definir esta região das cabeceiras do rio, em tudo desconhecida do contexto geral da bacia desde tempos idos, e pior ainda, nos tempos atuais. Ela não está em nenhuma mesa ou agenda de planejamento da bacia, sendo que na minha modesta opinião tudo deriva daqui, e foi aqui que foram dados os primeiros gritos para o salvamento do rio em descidas de canoagens ecológicas.

O estudo que vem a seguir baseia-se num diagnóstico que fizemos tempos atrás, e foram escritos por Vieira (1998); eles são derivados de reuniões e andanças que fazíamos em defesa das cavernas, lagoas e rios da região. Amigos de Iguatama, Pains e Formiga, fazíamos incursões e pequenas expedições nos finais de semana ou blitz ambientais com a PM Florestal. Éramos os “Filhos da Mata, por uma ecologia política”, uma Ong ainda sem registro e o “Copodema”, Comissão Popular de Defesa do Meio Ambiente de Pains, e eu não passava de um ING, indivíduo não governamental. Sobrevoamos no “helicóptero verde” do IEF toda essa região em setembro de 1998, com equipes do IEF de Belo Horizonte, Divinópolis e o José Wilson do IEF de Arcos.

Descemos ao mundo subterrâneo das cavernas e escalamos paredões, como os de Timburé (o que tinha os furos para dinamitação) e o de Corumbá (das pinturas rupestres obliteradas com talhadeiras) em blitz com a Polícia Florestal sob o comando do major Pedro Hélio ilva. É preciso fôlego para ler tanta coisa, e os signatários vem no original da proposta (dentre eles o Ricardo Dimas e Débora, a Madalena Asmar e a Lola Garcia); a bem da revitalização do rio e da expedição, vai aqui a transcrição literal dele. O documento foi encaminhado pelas Ongs ao então secretário do Meio Ambiente de Minas Gerais, José Carlos Carvalho, que foi favorável à criação de um parque estadual nos maciços cársticos e de uma APA na região das cabeceiras como recomendado. Sua assessora, bióloga Aline Tristão Bernardes - soube depois que foi para NY e hoje está coordenando a fazenda/RPPN do famoso fotógrafo Sebastião Salgado em Aimorés-MG -, via grande viabilidade na proposta, e certa vez disse-me ao telefone que a forma de apresentação do projeto chamou-lhe a atenção, uma vez que fugia dos padrões convencionais - dos insensíveis e frios pacotes que tratam da flora e da fauna – sendo que o secretário Carvalho determinou medidas e estudos para sua criação, um processo demorado mas não inviável:

“O trabalho impressionou-me, admitiu o secretário, e o que era inicialmente a idéia de apenas uma área de conservação poderá mesmo ser ampliada criando-se também uma APA. A proposta foi encaminhada à Diretoria de Zoneamento do IEF para exame” (Estado de Minas, 25/06/1998).

Também a Folha da Manhã de Passos, em cinco de julho desse ano em ampla reportagem e fotos da região, publicou entrevistas e noticiou a criação das unidades de conservação propostas pelas Ongs, ainda um sonho e um projeto no papel.

Características Gerais da Mata de Pains
Histórico
Os primeiros exploradores desta região foram os bandeirantes e mais tarde os naturalistas europeus. Incursões e passagens de bandeirantes vindos de São Paulo para Goiás e Mato Grosso, através dos contrafortes da Mantiqueira, Campos das Vertentes e daí rumo ao Rio São Francisco, Triângulo (chamado à época Sertão da Farinha Podre) e Goiás, ocorreram desde a segunda metade do século XVII, mais precisamente em 1673. As bandeiras geralmente seguiam trajetos e rotas dos índios, os chamados “caminhos pré-históricos”: Caminho Velho (origem em Parati) e Caminho Novo (origem no Rio de Janeiro). Os bandeirantes, partindo de Taubaté, atingiam Barbacena, onde bifurcava-se, um seguindo para Ouro Preto e o Rio das Velhas; o outro rumava para o Rio das Mortes e São João del Rei. Só após a Guerra dos Emboabas no início do século XVIII, as bandeiras atingiram as nascentes do São Francisco, o Oeste de Minas e o Triângulo. De início as picadas eram oriundas de índios e bandeirantes. Com o uso pelos tropeiros e levas de comboios de viajantes e aventureiros, essas trilhas se alargaram. O transporte era feito por caravanas de tropeiros sobre o lombo de burros e mulas equipados com canastras, bruacas e jacás. As tropas eram compostas de até dez lotes de burros, cada lote com sete animais de carga. Carros de bois e carroças eram utilizados. Levava-se dois meses de São Paulo a Minas de Cataguazes, marchando da madrugada ao início da tarde, arranchando em pousadas rústicas muitas vezes sem paredes, e pastos públicos no itinerário. Alimentos: feijão, carne seca, farinha, caça, peixes, mel e frutas silvestres. 

A abertura de estradas oficiais era proibida, concentrando-se o tráfego só em algumas poucas. O “Caminho Velho”, partia do vale do Paraíba passava por Aiuruoca até São João Del Rey e Ouro Preto. Em 1736 foi aberta a Picada de Goiás, passando por Tamanduá (Itapecerica), com um ramo para Formiga-Porto Real do São Francisco (Iguatama), Desemboque e Araxá, e outro de Itapecerica para Pitangui. A primeira rota cruzava a Mata de Pains e logo após cruzava o rio S. Francisco. Nas primeiras décadas de 1800 as estradas eram precárias, carroçáveis, quase sempre esburacadas e lamacentas no período chuvoso. Caminhos para trekking como se diz hoje, os naturalistas foram os primeiros trekkers. Matas e matas cobriam a região e os rios eram caudalosos. E assim iam os denodados naturalistas viajantes europeus descrevendo as regiões brasileiras, em relatos minuciosos, hoje publicados pela Editora Itatiaia de Belo Horizonte. Das origens em 1673 até hoje, trezentos e vinte cinco anos de colonização e uso contínuo da terra mineira, uma parceria nem sempre amistosa entre o homem e o mundo natural dessas paragens naturais de Pains e das cabeceiras do São Francisco. Viajando em lombo de mulas, dormindo em paióis, engenhos, raras vezes na casa-grande e muitas vezes ao relento, enfrentando tempestades e o frio do inverno, transportando com enorme dificuldade suas coletas sempre crescentes de amostras de plantas, animais e minerais, a saga desses cientistas ainda não foi descoberta pelas gerações atuais. Acompanhavam-nos fiéis negros-livres, muleiros, arrieiros e guias ao longo dos precários caminhos. Vejamos alguns dos viajantes-naturalistas:

Augustin François Cesar Provensal de Saint-Hilaire - Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), botânico francês, sucedeu a Lamarck na Academia de Ciência de Paris. Percorreu o Brasil de 1816 a 1822, interpretando as relações entre o meio físico e as plantas observadas, os costumes e usos, a realidade do país. Obras: Plantas Usuais dos Brasileiros, História das Plantas mais Notáveis do Brasil e do Paraguai, Flora do Brasil Meridional. Outros livros são Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais e Viagem às Nascentes do S. Francisco, etc.

A primeira descrição científica da região se fez por Ste-Hilaire em 1817, que cruzou as bordas de leste para oeste da mata de Pains, indo de Formiga a Ponte Alta, Capetinga, Pimenta, Piui, São Sebastião de Cabrestos e Canastra; seria uma justa homenagem dar a esta bonita estrada MG 50 do seu trajeto hoje tomada pelas feias caieiras ou calcinações nos barrancos, o nome de “Rodovia Ste-Hilaire”. Os primeiros achados fósseis de Pains foram encontrados e descritos por ele em 1817. Antes, passara por Capetinga, atual Santo Hilário, pequena localidade às margens de Furnas. Seu atual nome é uma homenagem ao cientista que permaneceu arranchado ali por breve espaço de tempo.

O mineralogista e botânico tcheco-austríaco Johan Emanuel Pohl percorreu o Brasil de 1818 a 1821 na missão científica patrocinada por dom João VI. Em outubro de 1818 chegou a Formiga, vindo do Rio de Janeiro. Foi descrevendo o que via, como bom botânico, anotando os nomes comuns e científicos, as famílias, etc. Em uma venda deparou-se com o couro de uma sucuriu (Boa constritor) na parede. Vem daí, ou antes, o extermínio. Formiga, ele a descreve como um arraial com cerca de cem choupanas de barro e sapé. Cruzando toda a Mata de Pains e o rio São Miguel, daí parte em direção à passagem do rio S. Francisco, depois Porto Real (atual Iguatama), com destino a Goiás.

Porto Real ele a descreve com seis choupanas:

“... Apenas a meia hora de distância da fazenda [Tapada, de dona Bernarda] está a Guarda do Rio São Francisco. Este rio, na fronteira ocidental da capitania, nasce na Serra da Canastra e cresce pouco a pouco, tornando-se um dos maiores rios do país. Aqui, tão próximo de sua nascente, já tem, com certa profundidade, a largura de 60 braças. Depois volta-se para oeste e atravessa, aqui, uma localidade que conta seis choupanas de barro. O capitão da guarda deu-me abundantes provas de benevolência. Logo que examinou meu passaporte, mandou-me amavelmente entrar para sua casa dispensou-me da peagem, que seria de 80 reis por pessoa e 320 reis por animal e seguiu-me até a outra margem, para levar-me laranjas, bananas, cuja utilidade, garantiu-me ele, breve apreciaria pela contínua falta de água pelo caminho. Havíamos atravessado o rio numa balsa composta por três canoas, com um corrimão, atada a um cabo feito de folhas de palmeiras”.

E continua:
“Penetramos logo após num corte da selva, cujas grossas árvores de forma para mim desconhecidas, eram entrelaçadas em estranhas voltas por parasitas arbóreos, as quais, da grossura de um braço, freqüentemente torcidas, às vezes esburacadas, em maravilhosas grinaldas tornam a descer de vinte braças de altura para o solo materno; e formavam, por assim dizer, um tecido impermeável aos raios solares e que como cordoalha de navio, se movia ao mais leve impulso. Essa imagem agiu poderosamente em meu espírito. Com temeroso  respeito atravessei essa abóbada selva, o escuro dessa floresta, que com as figuras indefinidas, me apareceu como um grande segredo da natureza” (Pohl, 1817).

Peter Lund não andou por aqui, mas por Lagoa Santa e outros sítios. Ele disse que havia ligação terrestre entre os primitivos de Lagoa Santa e de Montes Claros, como se lê em Campos(1983), em “O Homem na Pré-História no Norte de Minas”. Quem sabe não haveria também ligação terrestre ou pelo rio São Francisco entre os primitivos desta região e as duas citadas, tão grande é a semelhança das suas pinturas rupestres?

O militar, engenheiro e naturalista alemão Wilhelm Ludwig von Eschwege chegou ao Brasil em 1808 com dom João VI. Como mineralogista fez viagens e explorações científicas em Minas Gerais e São Paulo. Em 1816 Eschwege visitou uma caverna no sul de Minas Gerais, provavelmente a gruta da Cazanga ou Loca Grande, no município de Arcos. Eschwege (1833) relata em pormenor o percurso efetuado dentro dessa cavidade:

“Sua altura e largura variam de 15 a 20 palmos; e seu comprimento, 286 passos. A gruta, como um longo corredor, alarga-se no fim, dando lugar a um amplo salão de 40 palmos. A gruta se divide ... em 2 corredores principais ....um dos corredores, que se estende em abóbada cerca de 60 passos, é fechado por uma massa de estalagmites ... O outro corredor, de 50 passos de comprimento, se fecha em gruta ...” (Eschwege, 1833).

Também o ouro, o vil metal, atraiu interesses, de natureza diversa. A descoberta dele nas cabeceiras do São Francisco, a poucas léguas da Mata de Pains, chegou a alterar as coisas na capital da província, às vésperas da Inconfidência Mineira:

“A 4 de maio [de 1789], Barbacena [visconde] recebeu a resposta do vice-rei: a chegada do mensageiro causou uma boa dose de especulação, e o governador achou prudente atrasar sua própria resposta por uns dias. Uma boa descoberta de ouro na Serra da Canastra, proporcionou um pretexto para mandar os Dragões, ainda em Vila Rica, para o distante sudoeste da capitania, no desempenho de funções policiais. Barbacena solicitou tropas extraordinárias ao Rio para substitui-los ...” (Maxwell, 1976).

Outra personagem histórica livre de qualquer suspeita, que nasceu no município de Pains, e em viagem para Paracatu acampou-se na ‘Barca’, em Porto Real, foi Ana Jacinta de São José, a famosa Dona Beja. É comum ainda as pessoas apontarem o local onde acamparam-se e soltaram a tropa de mulas. Só depois, aos doze anos, saiu de Paracatu para Araxá. Como atestam documentos e romances. Pelo que consta em sua biografia, Dona Beja nasceu em uma fazenda nas proximidades de Pains, nos Araújos. Outros dizem ela nasceu mesmo foi na Farinha Podre ali perto, divisa de Iguatama e Pains, e aqui fica a dúvida se não se trata de confusão com os sertões da Farinha Podre, hoje Triângulo Mineiro. Dotada de forte personalidade desde criança, em sua juventude, instalada em Araxá, Dona Beja, mulher de grande formosura, por longos anos dominou a fidalguia e influenciou nos destinos do Triângulo Mineiro, separando-o de Goiás.

A Mata de Pains, por um desenvolvimento sustentado
A proposta de criação do Parque Estadual da Mata de Pains, em uma área contígua abrangendo três municípios limítrofes (a idéia veio à tona em entrevista ao jornalista Gustavo Werneck/EM em 10/03/98 em visita à região) tem a previsão de uma área superior a 5000 (cinco mil) hectares. Outras formas de preservação ambiental permanentes como a APA das Cabeceiras ou das Dez Cidades-Mães do São Francisco e RPPNs são previstas no projeto, porém sem detalhamento, uma vez que segue critérios do Ibama. A implantação do projeto e subprojetos beneficiará a qualidade de vida e a preservação ambiental de cerca de 20% da Mata de Pains que tem área superior a 500 km2 (50.000 hectares). Isto representa cerca de 10.000 hectares que estarão preservados em área de classe-8 para a agricultura. Se se considerar o entorno até o canyon do São Leão e daí à Casca d’Anta e os dez municípios que abrangem as cabeceiras, a área total será contínua, interligando-a ao Parque Nacional da Serra da Canastra que situa-se no topo ou platô através de uma APA. Em paralelo haverá o crescimento e desenvolvimento sustentado previsto na Agenda 21/Rio 92. Isto trará benefícios diretos a uma população de cerca de 55.000 habitantes nos cinco municípios e um total de 195.000 pessoas nas micro-regiões contíguas do Alto São Francisco e de Furnas. Em um estudo recente, 

“a mata é classificada como Floresta Estacional Decidual, submetida a um grau maior de dessecação, evidenciada por 50% ou mais de decidualidade foliar (queda das folhas no inverno). As matas secas (ou mesófilas) ocorrem em Minas Gerais em manchas disseminadas no domínio do cerrado, não raras vezes caracterizando a paisagem calcária em algumas regiões do estado, no vale do São Francisco, como esta região, além de Lagoa Santa, Sete Lagoas, a Mata da Jaíba e os calcários em Januária e Itacarambi, segundo o mapa “Cobertura vegetal e uso do solo do estado de Minas Gerais”’, do IEF/Funcate/Bird (1994).

A preservação de um raro ecossistema para as atuais e futuras gerações, com grande potencial bio-fármacoecoturístico somados a aspectos também peculiares geológicos, pedológicos, espeleológicos, arqueológicos, hídricos e da flora e fauna em extinção, são fatores adicionais e indispensáveis hoje em qualquer agenda de planejamento e crescimento econômico. Prevê-se ainda o soerguimento da economia rural, assim como o redirecionamento industrial e urbano de cidades, distritos e vilas além das velhas fazendas da região, através do turismo ecológico.

Uma proposta de desenvolvimento é sustentável quando a velocidade da agressão ambiental é menor do que a velocidade com que a natureza consegue reagir para compensar esses danos. Como convém à criação de um parque e de APAs, o projeto fala de riquezas, de lendas e de destruição. Na região é possível ver coisas tão feias como apagar para sempre com talhadeiras arte rupestre de 4000 anos atrás, como no Corumbá em Arcos, e a quase detonação com dinamite de grutas como a do Éden em Pains.

Com a implantação do projeto e sub-projetos, haverá um repensar e o conseqüente redirecionamento do modelo de crescimento econômico tradicional arraigado na região, seja o industrial ou o rural. O primeiro está em franca expansão, seguindo um modelo exportador globalizado, desconsiderando as mais elementares normas e critérios ambientais e sociais. Existem exceções, naturalmente. A isto soma-se a automação crescente que gera o desemprego.

O modelo rural está em franca decadência, haja visto o estado de desânimo e escassez de investimentos para a modernização do setor, aliado ao êxodo rural crescente. A não introdução de novas culturas e técnicas afins, que se observa em regiões vizinhas do Sul de Minas e Alto Paranaíba, tendo como pano de fundo a dobradinha café-com-leite tradicional, que se mantém nelas, mostra que a região caminha a passos largos para níveis de subsistência, embora assentada em um dos melhores solos e clima do Estado.

A seguir, um mapa desta região no contexto da bacia sãofranciscana:




Espera-se, na esteira do projeto ambiental em tela: i. por fim à exploração industrial predatória; ii. soerguimento da economia e produção agrícola e pecuária de leite, através da diversificação; iii. introdução e incentivo do chamado ecoturismo e turismo rural orientados, como fonte de renda adicional aos fazendeiros; iv. fim do lançamento a céu aberto de lixo e esgotos, sejam urbanos ou industriais, além de emissões atmosféricas e ruídos/detonações de dinamites.

Se a região está inserida e é dotada das melhores infraestruturas do país, espera-se em contrapartida, que a população local tenha acesso aos ganhos da riqueza gerada e desfrute de melhores condições de vida e ambientais. É apenas uma questão de redirecionamento e introdução de planos e projetos específicos rurais, industriais, ambientais e ecoturísticos.

Parques semelhantes foram recentemente implantados pelo governo federal e estadual como o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, em área de intensa ocupação entre Januária e Itacarambi (56.800 hectares); o Parque Estadual do Itambé nas cabeceiras do sofrido e degradado vale do Jequitinhonha. (4.700 hectares de parque e área total do entorno de 76.310 hectares, incluída a APA) e o Parque Estadual da Serra das Araras, no município de Chapada Gaúcha, com 11.360 ha de área, no noroeste do estado, região de cultivo de soja e culturas irrigadas por pivô central.

Localização, acessos e clima
A Mata de Pains localiza-se a 220 km da capital, sendo cortada pela MG-050, Belo Horizonte-São Sebastião do Paraíso, e BR-354, Perdões-Estalagem (BR-262), no Alto Paranaíba. Considera-se que a região é uma transição entre as duas ricas regiões mineiras, o Sul e o Triângulo. Na verdade, tudo indica que a defasagem entre ela e estas deve-se ao fato da diversidade do Alto São Francisco, que vai desde esta parte mais fria e chuvosa até Pirapora no semi-árido. Isto é, está nas três regiões mas não está em nenhuma.

Situa-se na parte sul da região do Alto São Francisco, no sudoeste do estado. Ao sul da área confronta-se com a represa de Furnas, e ao norte é banhada pelo rio São Francisco ainda estreito. Localiza-se entre as coordenadas 20º 10` e 20º 25` LS a 45º 35` e 45º 55` WG. É definido que em latitudes acima de 20º LS ocorrem geadas. A altitude máxima atinge 965 metros próximo a Córrego Fundo. Arcos está a 746 metros de altitude; Iguatama, a 715m e Pains a 695m, sendo circundada por altitudes superiores a 800 m. O pico do Fundão, na divisa de Iguatama e Pains atinge 878 m (nascente do córrego Fundão na Pedra Grande), sendo o pico da Bocaina na fazenda do Doce, com 848m a altitude máxima de Iguatama. Seio de Abraão atinge 800 m; o monte Jatobá atinge 778m e Jatobazinho, 738m. No Corumbá, onde parte das pinturas rupestres foram obliteradas para sempre, atinge altitudes de 816m. Segundo a classificação climática de Köpen o clima é definido como tropical úmido com inverno seco e verão chuvoso. A temperatura média anual é de 21º C, com meses mais frios de abril a setembro, com a temperatura caindo abaixo de 5º C em junho-julho, quando ocorrem geadas. Muitas vezes chega a zero e abaixo de zero em toda a região. 

A precipitação pluviométrica anual é de 1.500 mm em média. São apresentados a seguir dados climáticos da estação agro-meteorológica de Bambuí 40 km a oeste da região, e de Lavras e Araxá a sul e oeste, ambas a 170 km de distância de Iguatama. Na bacia do rio Grande localiza-se Furnas, barragem-mãe como Três Marias, as duas principais causadoras do racionamento energético o “apagão 2001”, uma questão polêmica, para uns surgido devido à grande estiagem nessas duas bacias, para outros devido à má programação de operação pelo O. N. S. 

Os dados de Lavras e Araxá, na bacia do rio Grande (rio Paraná) são comparativos, como se vê no quadro seguinte:




Definição e caracterização do problema
O grande problema que se depara é a avassaladora forma de exploração das jazidas de calcário somado ao empobrecimento sistemático do meio rural. O projeto visa promover o desenvolvimento sustentado da Mata, através do gerenciamento e da conservação dos seus recursos naturais de forma sustentada e incentivando atividades que sejam econômica e ambientalmente compatíveis com o ecossistema local. Visa também promover melhores condições de vida à população. O projeto tem três componentes básicos: i. assuntos vinculados ao meio ambiente urbano e industrial (ar, água, esgotos, ruídos e detonações, etc ); ii. promoção e diversificação de atividades econômicas no meio rural; iii. áreas de conservação mais gerenciamento de bacia e sub-bacias na área de influência. 

Acreditamos que a região necessita com urgência de um plano para o soerguimento da sua economia rural em franca decadência, face ao êxodo rural e concentração galopante da pecuária de corte. A desativação da Nestlé na região é sintomática. Queremos a volta e a redenção do antigo celeiro que já foi a Mata.

Pré-desertificação
Em tempos atuais os solos estão degradados pela ausência de métodos de conservação tais como faixas em nível, terraços, quebra-ventos, etc, que são carreados assoreando rios, córregos e lagoas. Os solos estão ácidos, cansados, exauridos, erodidos, e já está a ocorrer focos de pré-desertificação aqui e ali por sobrepastoreio e cultivos arcaicos naquelas terras esbranquiçadas dos cambissolos, um processo ainda não estudado que é citado aqui pela primeira vez, que tem início no sopé da Canastra em São Roque de Minas, atingindo ainda os municípios de Piun-hy, Bambuí e Medeiros. Essas terras brancas ou “terras de campo” como são chamadas de forma pejorativa, não podem ser cultivadas, mal suportando o pastoreio, a pecuária; deveriam ser mantidas como reservas florestais ou para pequenos plantios de eucalipto ou pinus para madeira de uso, como já vem ocorrendo nos terrenos e morros erodidos detrás da estação de Garças. Existe uma grande extensão dessas “terras de campo” altamente degradadas em fase de prédesertificação que tem início no município de Iguatama e eu as percorro desde menino, quando levávamos vacas leiteiras alternando de tempos em tempos nas duas propriedades que tínhamos, passando pelos “campos do Silvério”. Essas terras altas degradadas chegam a Piumhi, São Roque de Minas, Medeiros, e Bambuí, e podem ser recuperados econômicamente com o plantio de eucaliptos, com experiências bem sucedidas nos morros de Garças de Minas.

Por que não há diversificação de culturas? Por que não usar calcário na correção da acidez dos solos, cujos moinhos estão à vista? O pó calcário, como os demais produtos, se esvaem como as águas do São Francisco para outras regiões. Aqui ficam as crateras. Estradas cortam toda a região. Linhas de alta tensão cruzam os céus nas barbas de Furnas. Mesmo assim as fazendas eletrificadas estão decadentes.

Por que as indústrias grandes e pequenas, as mineradoras, as calcinações, não adotam as modernas normas ambientais? É possível saber através de dados e observações in loco a destinação do efluente de cada indústria química e outra aqui instalada? Por que queimar pneus e pellets, e material plástico como combustível, cujos gases cancerígenos ficam sobre as nossas cabeças? Queremos a participação industrial em um processo limpo e transparente gerando riquezas, mas conservando e incentivando a área ambiental, desde a extração na jazida - e como ficará a área após, já recomposta - até a fase final do produto. Estudos de impacto ambiental - EIA / Rima - sérios e exeqüíveis são indispensáveis. Isto só é possível através da fiscalização regular, gerenciamento e monitoramento dos órgãos governamentais afins, que se mostram incapazes de exercer sua missão face à acelerada e atabalhoada industrialização na região. Antes dela nossos avós e muitos de nossos pais, já aqui viviam.

Por que não informar a população a qualidade da água que consome? Por que não tratar o lixo urbano, hospitalar e industrial? O mesmo com os esgotos? É fundamental a presença do Ibama nas grutas da região e demais órgãos preservacionistas para a proteção do potencial arqueológico, paleontológico e paisagístico em geral. É rica a flora e fauna, os caudais e nascentes de rios e córregos, lagoas marginais e dolinas - sabemos que sítios arqueológicos e páleo-ambientais inteiros já foram dinamitados e tornados pó, como grutas, cerâmicas, pinturas rupestres, ossadas fósseis. Muitos sítios são descaracterizados pela ignorância e há mesmo evidências de tráfico e comércio de peças para os grandes centros. No fundo, sob os nossos olhos e a opinião pública - está vivo na memória o rumoroso caso da ossada do mastodonte da gruta do Angá em Pains, em março último, com repercussão nacional e internacional - uma rica biodiversidade constituída por um bioma sui generis se degrada e se extingue de forma inexorável.

As indústrias aqui instaladas processam ou produzem basicamente o cimento, o carbureto de cálcio, calcário agrícola, cal viva e hidratada, etc. As minerações são diretas como a CSN ou a partir de terceiros, como a mineração  João Vaz Sobrinho/Cazanga. Grandes empresas extraem por conta própria e adquirem também de terceiros. Tornou-se prática comum os grandes grupos adquirirem as pedras mineradas de empresas “picaretas” sem nenhum registro ou personalidade jurídica, isto é, clandestinas, colocando em risco máximo todo o ecossistema da região, os operários e os vizinhos que assistem a este estado de coisas. Existem ainda indústrias de laticínios em quatro municípios, além de confecções de roupas em três: Arcos, Iguatama e Pains. As principais indústrias até então instaladas são:

Arcos: Nestlé, Cimento Minas Oeste, Cimento Mauá, Cimento Lafarge (em instalação), Votorantim/Itaú, CSN-Cia. Siderúrgica Nacional, Comig, Agrimig, Arcal, etc; Iguatama: White Martins S. A / Praxair Inc (carbureto de cálcio); Pains: laticínios Parmalat.

Em todos os cinco municípios existem calcinações ou caieiras médias e pequenas instaladas em barrancos. É prática comum as grandes mineradoras e suas terceirizadas burlarem as leis ambientais. O sistema de fiscalização ambiental é precário, assim como o Ministério Público não despacha com rapidez os processos de denúncia. No geral os problemas que se manifestam nos cincos municípios da Mata são comuns e se assemelham em maior ou menor grau, como a seguir:

No meio rural
i. depauperamento advindo do fim das lavouras tradicionais de cereais: policultura do milho, feijão, arroz, mandioca, cana, amendoim, etc., café, em tempos mais remotos; sedes de fazendas e rico acervo arquitetônico peculiar em ruínas; muitas foram e estão sendo demolidas e descaracterizadas; ii. desmatamento e destoca contínua irresponsável de matas ciliares e de topo remanescentes da Mata Atlântica em reconstituição, para pastagens de braquiária e criação extensiva de gado de corte nelore; iv. existe conluio ente os proprietários e as firmas de desmatamento, que atuam à revelia da licença florestal; v. para evitar este fato deve haver licenciamento tanto por parte do desmatante (proprietário) quanto do desmatador (patrulha), como é feito para a moto-serra; vi. a sucessão familiar entre herdeiros retalha e subdivide a propriedade, e com ela as reservas nativas sem nenhum critério jurídico para outorga de escrituras. Nas comarcas de Arcos e de Iguatama existe uma figura tão estapafúrdia como o ‘licenciado precário agrimensor’, que emite laudos e faz croquis como se fossem plantas, sem nenhum critério técnico e ao bel prazer. É tão viciada e arcaica a estrutura jurídica–agrária, que laudos e estudos de profissionais reconhecidos são preteridos em processos de inventários e outros. É uma questão de ética a ser resolvida pelo Crea e SMEA; vii. esses fatores levam o pequeno e médio proprietários a um beco sem saída, obrigando-o a vender suas terras a pecuaristas alienígenas e absenteístas, que põem abaixo o que restou; viii. nessa sucessão venal não há introdução de tecnologia conservacionista, e a erosão laminar, as vossorocas, o sobrepastoreio e outros fazem surgir focos dispersos de prédesertificação nos solos (notamente os cambissolos, aquelas terras esbranquiçadas e amorradas), que se tornam altamente erodidos, além do assoreamento dos rios, lagoas e baixadas.

Nos maciços cársticos, matas de topo e ciliares i. destruição de grutas, cavernas, locas, abrigos, com detonação total por mineradoras, muitas clandestinas e sem alvará; ii. idem, vandalismo com destruição de estalactites, estalagmites e outros espeleotemas por pessoas da região em comum com terceiros - há indícios de comércio e tráfico; iii. isso ocorre por falta de mapeamento, e quando ele existe, não é levado ao público local, gerando um abismo entre a ciência (espeleologia) e os autóctones (que ignoram o rico acervo que lá deve permanecer intocável); iv. obliteração com ‘talhadeiras’ de figuras rupestres. Fato comprovado e documentado por membros que ora assinam este projeto, a imprensa representada pelo jornal “Estado de Minas” e técnicos do IEF em 06 / 05 / 98. Corumbá será atração por dois motivos: pelas pinturas rupestres milenares e pelo que sobrou das mesmas pinturas rupestres; v. orquídeas raras e maravilhosas, em extinção de espécies utóctones, por vandalismo e deseducação ambiental; vi. idem madeiras de lei, que são serradas nos maciços e retiradas por “tifós”, para comercialização, e com elas as orquídeas e outras epífitas; vii. é prática comum os fazendeiros roçarem a vegetação arbustiva sob as copas das reservas florestais legais e ciliares, para que aí permaneça o gado: onde se esconderão os animais silvestres?

Nas cidades
i. as várias formas de lixo não são tratadas, acumulando-se em lixões, nos terrenos baldios, margens de rios, etc; ii. esgotos urbanos não sofrem o devido tratamento, sendo lançados nos rios São Francisco, São Miguel, dos Arcos e Córrego Fundo; iii. a poluição atmosférica é grave em Pains, gerando doenças crônicas; ela existe também em Arcos, Córrego Fundo, Formiga e Iguatama; iv - com exceção de Arcos (reserva do Corumbá) não existem áreas ou parques  de preservação ambiental e lazer para a população; v. o êxodo rural expande as cidades e é com tristeza que se vê o surgimento de favelas nessas cidades, aparentemente sem maiores problemas; vi. cresce o sub-emprego nas cidades e no meio rural a escassez da mão de obra é crescente.

Com relação à cidade de Pains: bem próximo à cidade, o lixo urbano de Pimenta é despejado em um lixão nas cabeceiras do Ribeirão dos Patos, vertente oposta do divisor de águas do Rio Grande / Furnas, demonstrando que a pressão e conscientização em Furnas já se faz sentir. Também a água consumida em Pains pode estar recebendo efluentes industriais e “chorume” de lixão lançado sobre dolinas, no trecho em que o Rio São Miguel se torna subterrâneo, fazendo parte de extensa rede de lençóis freáticos e rios subterrâneos existentes no sub-solo de Pains e região. A água consumida na cidade aí é captada, à jusante deste ponto.

A poluição sonora e do ar é grave em Pains, causada por moagem e queima de pedras calcárias empregando-se como combustível pneus, retalhos de pneus de fábrica, pellets e sacos plásticos, cuja fumaça de ácido clorídrico e dioxina causam chuva ácida que é cancerígena. Detonações de dinamite são feitas sem proteção para os operadores e a população, causando rachaduras em casas e edificações com barulho infernal.

Poluição pelas indústrias e mineradoras 
i. praticamente todas as indústrias nos cinco municípios causam poluição atmosférica; ii. idem poluição hídrica e sonora em maior ou menor grau; iii. poucas indústrias adotam estudos de impacto ambiental - EIAs/Rimas; iv. poucas indústrias e mineradoras adotam os critérios e normas de segurança no trabalho, sendo comum a ocorrência de mortes em acidentes e mutilações com suas seqüelas; v. por desconhecer e desconsiderar os critérios ambientais, muitos burlam a fiscalização, pagam as multas e voltam a operar como se nada tivesse acontecido o sítio arqueólogico do Timburé, com registro e tombado pelo Iphan, está prestes a ser minerado, isto é, uma maravilha natural será mutilada; vi. Desrespeito total por sítios arqueológicos, a flora e a fauna da região. Indústrias e mineradoras que se dizem do primeiro mundo, cometem atos do chamado quarto mundo, obliterando, isto é, cortando com talhadeiras pinturas rupestres de 4000 anos em paredões calcários, como pode ser visto em paredão no Corumbá.


Características físicas e naturais, um rico e raro ecossistema
Mata de Pains é a denominação que se dá a uma extensa área localizada no sudoeste de Minas Gerais, cortada por alguns dos primeiros afluentes do São Francisco. Abrange uma superfície superior a 500 km2, segundo medições cartográficas feitas pelo autor e Rolff, in Espeleologia nº 5 (7,12). Trata-se de uma formação localizada da Série ou Grupo Bambuí, que se integra às lagoas marginais da margem direita do Rio São Francisco. No geral é circundada por  vegetação típica de cerrado e campos limpos, divisores de água com a bacia do Rio Grande / Furnas. Seus limites são esta bacia ao sul; ao norte, o Rio São Francisco, em Iguatama; a sudoeste, Piumhy; a leste, Formiga e parte de Arcos. Abrange os municípios de Pains, que lhe dá o nome, e parte de Iguatama, Arcos, Córrego Fundo e Doresópolis. Considera-se que o canyon do São Leão, cavado pelo São Francisco no carst do Grupo Bambui é continuação da Mata, além das dolinas que formaram as lagoas de Inhumas, Preta, Redonda, dos Martins e outras. O rio São Miguel e o ribeirão dos Patos têm suas nascentes na Mata Sul e após servir de limite natural entre vários municípios deságuam no São Francisco contornando o município de Iguatama.

O Grupo Bambuí ou Calcários do Bambuí, tem seu início na foz do Samburá no S. Leão, onde se encontram os municípios de São Roque, Piumhy, Medeiros e Bambuí, e segue longitudinal ao São Francisco até Juazeiro, na Bahia. Quem passa de barco no encontro dos dois rios, descobre que as dimensões do Samburá são maiores, levando a crer que o São Francisco é que deságua nele, é o seu afluente, e não o contrário, como se acredita. Todo o município de Pains é tomado pela Mata; Córrego Fundo e Arcos tem parte de Mata e cerrado; Iguatama possui três ecossistemas distintos: Mata, várzeas-lagoas marginais do São Francisco e cerrado do lado esquerdo Doresópolis é tomado pela mata e várzeas do São Francisco. Maciços e afloramentos de rochas sedimentares cobrem toda a região, constituídos basicamente por calcário calcítico e dolomítico, com teores de cálcio e magnésio se destacando, respectivamente. A seguir, mapa com os dez municípios das cabeceiras:



Em algumas áreas da região predominam os solos denominados genericamente ‘terra roxa’. Porém, em  levantamentos e mapeamentos pedológicos já realizados na região e de todo o vale do São Francisco a nível exploratório, destacam-se as associações de unidades distintas como podzólicos, latossolos, terra roxa estruturada similar, cambissolos e outros em menor proporção, como os aluviais nas várzeas do São Miguel, ribeirão dos Patos, São Francisco etc. Estima-se que um terço da Mata seja constituída por maciços e afloramentos calcários, cujas altitudes atingem 800 metros; localmente são denominados serras ou morros ou simplesmente “pedreiras”. Nas cotas entre 640 m (várzeas), e em torno de 800 m é que estão localizadas as áreas de cultivo e pastagens, uma sucessão de vales e entremontes, com ótima topografia e paisagens singulares. O relevo varia desde o suave-ondulado a ondulado e montanhoso, este constituído basicamente por afloramentos de calcário.

A região é carente de estudos de solos a nível de detalhe, em maiores escalas. Alguns órgãos federais e estaduais têm executado estudos de nível exploratório e de reconhecimento (escalas 1:500.000 e até menores), e a partir deles, realizar estudos de viabilidade e levantamento detalhado em áreas localizadas para fins de irrigação, reflorestamento, e outros fins em toda bacia do São Francisco e parte da área mineira da Sudene. Até então projetos governamentais priorizaram as regiões de clima semi-árido (com precipitações anuais inferiores a 900 mm), o que permite programar com relativa segurança as culturas, os plantios e as colheitas, obtendo retorno econômico garantido, com duas-três safras anuais. Regiões ricas como a Califórnia, Texas, Israel, Chile, Espanha, áreas secas do México (Chiapas ao sul é pobre e tropical e coberto de florestas ) e áreas semi-áridas da Austrália, etc, são irrigadas. Isto é, regiões secas e irrigadas geram riquezas. O mesmo pode ser feito para o Nordeste, Norte de Minas e Jequitinhonha.

A Suvale, atual Codevasf, em convênio com a agência americana de recuperação de terras, Bureau of Reclamation realizou estudos de solos nesta região, assim como o Cetec. A Epamig concluiu estudos mais detalhados no Norte, Sul e Triângulo. Como sempre esta região fica para trás. Pode afirmar-se, grosso modo, segundo os critérios adotados pelo Bureau of Reclamation/Codevasf/Embrapa, que as terras desta região se classificam como classe 2st quanto a solos e topografia, sendo boa a drenagem. Os graus são de 1 a 6, sendo a classe 6 não irrigável, na região devidos a problemas litólicos e topográficos (maciços calcários), que devem ser destinados à preservação permanente nas áreas já mineradas.

Os cambissolos são aquelas terras esbranquiçadas que surgem nos relevos movimentados aqui e ali. São susceptíveis a fortes erosões laminares e formação de voçorocas, em fase de desertificação, como é visto sempre mais, de forma desoladora. É que eles vem sendo ocupados com pastagens de braquiária, que logo, logo é degradada. Essas terras deveriam ser destinadas para preservação permanente como reserva legal ou para plantios de eucalipto nos topos para produção de madeira de uso tratada, preservando-se as matas nativas remanescentes. A seguir são dadas legendas de solos em associações a nível exploratório, permitindo observar características como cor, fertilidade, espessura da camada do horizonte A (arável), textura, relevo, cobertura vegetal, etc, a montante de Iguatama até a serra da Canastra. Essas legendas são extratos do “Estudo Integrado de Recursos Naturais - Bacia do Alto São Francisco e Parte Central da Área Mineira da Sudene “, escala 1:500 000, Cetec, 1983:

LEd5 - Latossolo Vermelho Escuro distrófico A moderado textura argilosa fase cerrado / Floresta sub-perenifólia relevo suave ondulado.
TSe2 - Terra Roxa Estruturada Similar relevo suave ondulado + Podzólico Vermelho Amarelo relevo ondulado ambos eutróficos A moderado textura argilosa fase Floresta subperenifólia (60 - 40%).
PE 8 - Podzólico Vermelho Amarelo Eutrófico A moderado textura argilosa fase floresta subperenifólia relevo suave ondulado + Afloramentos de Rochas (70 - 30%)
PE 14 - Podzólico Vermelho Amarelo + Terra Roxa Estruturada Similar ambos Eutróficos A moderado textura argilosa fase Floresta subperenifólia relevo ondulado e forte ondulado + Afloramentos de Rochas (50 - 30 - 20%).
RA1 – Solos Litolicos Álicos A fraco textura siltosa fase Cerrado relevo suave ondulado substrato siltito. 

As imediações (ver mapa de solo anexo), das cidades de, Arcos, Iguatama e Doresópolis são transição da mata para o cerrado ou várzeas do São Francisco as duas últimas. Ocorrem pequenos afloramentos e blocos calcários isolados no PVa3 e afloramentos de blocos calcários no barranco que avançam e estreitam o rio São Francisco causando corredeiras fracas além do Ribeirão dos Patos e São Miguel. Damos a seguir a legenda do PVa3 e do Ae2, que podem ser vistos na Ponte de Ferro, Inhumas, etc:

PVa3 - Podzólico Vermelho Amarelo textura argilosa + Cambissolo textura siltosa ambos Álicos A moderada fase floresta subperenifólia relevo ondulado (70 – 30%)
Ae2 – Solos Aluviais Eutroficos A moderado textura indiscriminada fase floresta perenifólia de várzea + Solos Hidromórficos fase de várzea ambos relevo plano (60 - 40%).

Economicamente, segundo o “Bureau/Burec”, duas safras nesta região são viáveis, sendo inviáveis três safras,
pelo excesso de chuvas, que faria as colheitas ocorrerem em meses chuvosos. Concluindo: uma safra sob irrigação completa no inverno, considerando-se o risco das geadas e outra complementar no período chuvoso. Áreas ou cultivos de feijão e milho irrigadas por aspersão convencional e pivô central obtém alta produtividade agrícola, na dobradinha feijão-milho e outras. Mas nesta região das dez cidades-mães integrada às cabeceiras do S. Francisco culturas anuais são hoje desaconselhadas pelo seu forte impacto erosivo e hídrico, e um futuro zoneamento ecológico-econômico deveria indicar apenas culturas perenes como café, citricultura, viticultura e outras que a pesquisa indicar. 

Creio que o turismo rural nessa ainda bonita região – trilhas é o não falta – aliado à fruticultura seria capaz de gerar mais renda e emprego do que as lavouras anuais e a braquiária que assolam as cabeceiras, chegando às bordas e assoreiando as lagoas a olhos vistos desde os anos 70. É com tristeza que observo nos últimos cinco anos o processo avassalador de destruição das últimas matas e capões do alto da cidade até onde minha vista alcança para os lados da Canastra. É preciso com urgência decretar uma moratória nas lavouras anuais de milho e feijão, agora somada a soja. No seu lugar deveria ser introduzida a fruticultura perene e mesmo incentivado o café, além da piscicultura comercial em tanques. É esta uma região geográfica especial e como tal deve ser encarada, e não deixála a mercê do imediatismo que só enxerga seus próprios interesses.

A vegetação nativa é luxuriante, com os tons de verde refletindo a fertilidade do solo. Os maciços calcários são recobertos por uma rica e diversificada formação florestal, do tipo caducifólia e sub-caducifólia, que faz cair as folhas no inverno-estiagem. A seguir são dados os nomes de algumas dessas espécies que podem ser consideradas os nossos carvalhos, faias, choupos, bétulas, plátanos, lariços, tão grande é a sua beleza e destaque: aroeira, cedro jequitibá, angico, jatobá, sucupira, pau-d’óleo, peroba, canela, gameleira marinheiro, tamboril, paineira ipê e vinhático. Associadas a uma gama de bromeliáceas, orquidáceas e cactáceas. Qual a diferença entre um lariço siberiano que chega aos 500 anos e é a mais dura das madeiras, resistindo ao fogo e a temperatura de 80º C negativos, e a nossa aroeira? Por que está a aroeira na lista vermelha das espécies em extinção do Copam, outubro, 1997? O lariço “árvore de caráter siberiano” (Sputnik, junho, 1988), não seria a nossa aroeira, ‘árvore de caráter brasileiro’? Coroando tudo isto no solo, sub-solo, nas sombras, galhos e copas, uma rica fauna como tatus, tamanduás, quatis, onças, lobos, jaguatiricas, lontras, capivaras, pacas, micos e outros. Inúmeras e belíssimas aves, como tucanos, gralhas, canários, pombas, rolas, pintassilgos, anus, pássaros pretos, nambus, corujas, mochos, gaviões, emas, seriemas, guachos, quero-queros, garças, tizius, beija-flores e muitos outros, uma ave-fauna em fase de extermínio galopante.

Essa flora e fauna vêm sendo agredida, e já está nos seus limites. Grutas, cavernas, lapas, locas, verdadeiros santuários ecológicos, a flora e a fauna, tudo vai pelos ares quando explodem dinamites. Os animais e homens estão assustados, muito assustados. Uma rica biodiversidade, um bioma sui-generis, como já diziam nas suas narrativas intermináveis e detalhes sem conta, os sábios naturalistas europeus no século passado. De lá para cá cientificamente, está como eles descreveram. Raros depois deles pesquisaram o que foi até aqui descrito de forma superficial. Muitas espécies podem ter sido extintas, antes mesmos de serem conhecidas pela ciência, ou pela sabedoria popular. Tristes trópicos.

A Escola Superior de Biologia e Meio Ambiente de Iguatama foi criada em 1995 com o objetivo de pesquisar os recursos naturais de uma larga região e criar condições para um crescimento sustentado. Um aspecto revelador é que este município é o único dos cinco que ainda mantêm suas jazidas calcárias intocadas. Ela dá os seus primeiros passos e eles têm de ser rápidos e ágeis, senão poderá ser tarde demais, e só restar cinco ou seis espécies de árvores, como na Inglaterra, como bem descreve K. Thomas, de Oxford, e R. Williams, de Cambridge. E antes lá havia uma rica flora e fauna de clima temperado.

As características físicas e a profundidade dos solos da Mata são ideais. Quanto ao aspecto químico, estão ácidos, que se corrigidos e adubados - e conservados em curva de nível - responderão com elevada produtividade em cereais, café, fruticultura em geral. E uma região com grande potencial citrícola, banana, maracujá e mesma a viticultura irrigada com duas safras anuais. Mas o que se vê, o que ainda se vê, é a pecuária rotineira e empírica sem bases técnicas, com incorporação crescente de terras encapoeiradas / mata secundária, através de destoca que jamais brotará.

A Mata de Pains é uma formação localizada do Grupo Bambuí, que se integra às lagoas marginais do São Francisco. Na margem esquerda deste está o cerrado. Em Iguatama os três ecossistemas se encontram, sendo nítidas as diferenças. Poucos lugares podem se dar ao privilégio de tê-los à vista, da parte alta da cidade. Daí belas e ricas paisagens se descortinam avistando-se ao fundo no horizonte a 80 km os contornos do baú da Serra da Canastra. Pelo rio, naturalmente, a distância é maior, 200 km, com os meandros. Sem estes já é outro o comprimento, 130 km. 

Lagoas marginais e tributários
As lagoas marginais do São Francisco na região são formadas sobre dolinas que se afundaram em terrenos cársticos e ressurgências ou sumidouros. Este é um rio que mergulha em um canal subterrâneo e lençóis freáticos. Integrada à Mata pelo ribeirão dos Patos, que a liga umbelicalmente, está a majestosa e lendária Lagoa das Inhumas, no município de Iguatama. Inhumas é a nossa Loch Ness, e as sucuris que nela viviam eram o monstro Nessie. Em 1995 foi tombada como área de alto interesse ambiental. Porém sua extinção é preocupante, uma vez que a lagoa, com área de 10 km2 (1.000 hectares) na cota máxima - quando o São Francisco nela deságua e lhe dá vida anualmente - caindo na estiagem para cerca de 7,5 km2 (750 hectares) vem sendo drenada e agredida. Inhumas vem sendo sistematicamente drenada, seu leito rebaixado, e assoreia e se eutrofiza a olhos vistos. Breve a área soterrada (a ilha aumenta ano a ano) será maior que a líquida, como a lagoa de Cunhas, que hoje só conta com um terço de água. Idem com a lagoa Preta e Redonda, cobertas no entorno com braquiária, com raros e pequenos trechos de matas e capões. Todas as lagoas marginais sofrem a extinção acelerada, como a de Marialves, do Décio, do Espinho, Piranhas, etc sendo que esta fecha o circuito da Mata na foz do São Miguel. Este rio e o ribeirão dos Patos tem suas nascentes nos divisores com o rio Grande nos municípios de Pains e Pimenta. Ambos correm o sentido sul-norte desaguando-se no São Francisco a 632m no município de Iguatama, após percorrerem uma distância de cerca de 50 km. O primeiro nasce a 860 m de altitude próximo à gruta do Mastodonte e o segundo a 850 m. O São Miguel banha um centro urbano, a cidade de Pains. Vamos a uma lenda que ouvi e vem a seguir:

Uma antiga tradição diz que no início dos tempos o rio São Miguel corria onde hoje fica a Bocaina e Sumidouro. Naqueles tempos remotos o S. Miguel caía no ribeirão dos Patos. Eram dois rios fartos de peixes e riquezas da terra. Um dia um velho pescador dono daquelas terras, sentindo que ia partir, doou as duas metades do rio para cada filho. Mas tão logo o velho morreu eles se desentenderam pela posse da barra do rio que cada um dizia ser sua e ficava na altura do Capoeirão e Jatobá. Não chegando a um acordo, eles viram surpresos o rio São Miguel mudar de curso, e desde então eles correm paralelos do sul para norte, tão bonitos quanto antes em meio aos maciços calcários. Desse tempo restou uma linha de ressurgências onde nascem os córregos do Atalho, Doce, Marins-Desterro e outros riachos. São tão parecidos nas suas origens, destinos e características, que podemos considerá-los gêmeos. São dois tentáculos abraçando a Mata, dois longos abraços, tendo cada um na sua foz duas pérolas, as lagoas de Inhumas e Piranhas. Mas ao contrário do Samburá e Santo Antônio, eles não mais se juntam. Os dois rios - o São Miguel e dos Patos - mais o grande rio São Francisco, leva-nos a concluir que é preciso unir a água com a pedra, a pedra com a água, num processo maravilhoso como aquele da formação dos rios, das lagoas marginais, das estalactites e estalagmites e outros espeleotemas. Só assim teremos certeza que vale a pena proteger tudo isto para esta e as futuras gerações.

Mata ciliar ou de galeria é aquela que cresce ao longo ou no entorno dos rios, córregos, lagos, nascentes, grotões e brejos. Onde ocorrer ou correr um olho d’água, aí tem ou deveria ter uma mata ciliar. Vem de cílio, do meu olho, do seu olho, de um olho d’água. Mata ciliar é uma expressão ou metáfora muito bonita e apropriada. Elas ocorrem ao longo do rio São Francisco, do São Miguel, do ribeirão dos Patos; dos córregos do Atalho, do Desterro e vários outros, que ainda resistem. Muitos pontos estão carecas até o barranco. Muitos grotões e também estão cobertos, mas a pressão e a burla para desmatá-los é crescente e constante. O mesmo ocorre com as lagoas de Inhumas, Cunhas, Redonda, Preta, Piranhas e outras: desmatados no entorno até a lâmina d’água. Matas ciliares devem se interligar às matas de topo através de “corredor ecológico”.

Muitas espécies que ocorrem no topo também são ciliares: embaúba., jatobá, angá, cedro, vinhático, pau d’óleo, gameleira, marinheiro, pitanga, goiaba, e outros, como sangra-d’água e “mangue”, só ocorrem nas galerias. Um habitat especial é aí formado: são sempre úmidas, frondosas, intrincadas e esbeltas. Sua forma geral é densa, cheia de cipós e epífitas (orquídeas, etc), formando vários andares por arbustos e árvores de médio e grandes portes, por onde se vão os cipós. Na espessa camada orgânica à sombra pululam microorganismos, vermes, minhocas, insetos, aracnídeos, anfíbios, répteis, aves e animais que aí têm o seu habitat. Ali perto, peixes e aves aquáticos se somam a eles. Aí se abrigam, fazem seus ninhos e tocas, se alimentam, lutam pela sobrevivência dentro da cadeia biológica, onde o grilo come vegetais, o sapo come o grilo, a cobra come o sapo, emas e siriemas comem as cobras e... o homem destrói a todos e a tudo. É a biodiversidade, onde o homem deveria ser apenas ator e não diretor, ou no melhor dos casos, ficar na platéia, quietinho, como parte do todo. 

O processo de degradação na região vem colocando em cheque o equilíbrio ambiental, a flora e a fauna, e muitos não percebem: os animais, os pássaros e as aves estão desnorteados, como os homens. Alguns desavisados até dizem que eles estão aumentando nas cidades. Mas eles estão em fuga, não tem como se proteger no meio rural. São refugiados de desmatamentos. E nas cidades existem muitos quintais: “onde têm árvores, têm pássaros”.

Em vários pontos da Mata existem brejos, muitos originados de açudes que se tornaram pantanosos, ocupados por taboas, aguapés, olho de Santa Luzia-alface d’água, etc. Uma fauna restrita e especial habita esses locais. São pequenos e bonitos ecoossistemas de alto valor florístico e faunístico, enquadradas como APP – Área de Preservação Permanente. Às margens do São Miguel em Calciolândia uma dessas lagoas pantanosas foi totalmente aterrada com tratores por um banqueiro. Um vizinho de mentalidade medieval drenou nossa propriedade em Marins, destruindo o aterro já com seus 80 anos que mantinha o pântano, abrindo uma vala de 150 metros de extensão na ombreira direita, cuja agressão ambiental foi denunciada no Ministério Público. Enquanto não sai a decisão contra o agressor, está o brejo totalmente seco. Os prejuízos ambientais são incalculáveis. Marins e Inhumas são dois notórios pontos vermelhos ambientais no município.

Inhuma, a ave
Velhos moradores da região afirmam que se a lagoa de Inhumas for recuperada na sua vegetação do entorno, voltaria a ser o santuário ecológico pantanoso e selvagem que sempre foi, com sua flora e fauna edênicas, remanescentes da Mata Atlântica, suas sucuris, a grande ave denominada inhuma, já extinta na região há cerca de 100 anos, tudo isto voltaria aos brejos e banhados. Eles falam com saudosismo da inhuma e a vontade em vê-la de volta aos banhados, na esperança que seja reentroduzida em criatórios licenciados. Conheci vários moradores que falavam dos bandos de inhumas de cantos estridentes nas lagoas tranquilas da região, onde construíam seus ninhos flutuantes, protegidos de ataques dos predadores. Antônio Garcia Leão, 82 anos, afirmou-me que ouvia de seus pais que a ave fazia ao anoitecer belos vôos ornamentais sobre os alagados, duas a duas, quando alçavam vôo e disparando opostas, se encontravam embicando no ar, voltando depois em mais uma incursão. Sempre pensei que fosse uma pequena ave tipo saracura e frango-d´água, mas pelos depoimentos e textos descobri que existem espécies de grande porte, com pernas longas e pés de dedos grandes, seria o “peru brasileiro”, ou “faisão tropical”. Em Betim no Crax e Ilha Solteira existem criatórios de aves silvestres, dentre elas a inhuma. Mas o mais novo cadastro (Livro Vermelho...) dos seres vivos em extinção em Minas Gerais não faz menção a esta ave, sinal que ela já desapareceu no Estado há muito.

St-Hilaire, um dos naturalistas que percorreram o Brasil e retratava em minúcias a natureza, as coisas e as pessoas, tendo partido do Rio de Janeiro pelo Caminho Novo em dezembro de 1816 na companhia de ninguém menos que o também sábio russo Langsdorff, com destino a Vila Rica e ao interland mineiro, assim descreveu a bela e rara ave dos pântanos, brejos e banhados (para mim outras aves nativas que a igualam são a jacutinga, o jaó, o jacu, sendo que esta ainda existe em matas protegidas da região):

“Tendo percorrido durante duas léguas avistamos a igreja paroquial de Inhaúmas ou S. Tiago de Inhaúma [subúrbios do Rio, já muito ocupado à época], pequeno edifício construído isolamente sobre uma plataforma de onde se descortina um panorama muito agradável. O nome de Inhaúma não passa, provavelmente, duma corrupção do de Inhuma, que se dá no Brasil, à ave curiosa que os naturalistas chamam Palamedea cornuta. Como várias localidades tem o nome de Inhuma ou As Inhumas, é provável que tal ave, hoje em dia extremamente rara, fosse outrora muito comum; mas foi com certeza dizimada com o fito de obter-se essa saliência córnea que trás à cabeça e à qual se atribuem virtudes imaginárias.” (In: “Viagem pelas províncias Do Rio de Janeiro E Minas Gerais). 

Pohl, outro naturalista minucioso, em agosto de 1820, percorrendo o vale do Jequitinhonha na altura de Minas Novas (17° 12’ e 42° 35’ LS) e altitude de 692 metros, talvez o mais setentrional habitat dessa ave em Minas Gerais, deu de frente com a inhuma:

“A uma légua de distância desse rio, encontramos vários lagos de pequenas dimensões, chamados lagoas. Na maioria estavam quase inteiramente secos. Em sua superfície, passeavam tranquilamente aves aquáticas em grande número. Aqui vimos também a anhinga (Palamedea cornuta), uma das maiores aves aquáticas, que dificilmente pode ser atingida a tiro. Excede em tamanho ao ganso. Tem um chifre na cabeça e dois esporões córneos em cada uma das asas. Diz-se que faz uso dessas armas para defender-se das cobras”.

Ainda hoje existem inúmeros lugarejos e cidades com este topônimo, mas jamais vi uma inhuma, nem mesmo em zoológico. O compositor Tavinho Moura ponteia na sua viola mineira o canto da inhuma, mas alguns afirmam que ela só emite grunhidos e pios; a tradução do seu nome inglês indica sua índole: chifruda gritadeira (horned screamer), ou algo assim. A música “Alma pantaneira” de Leo Almeida diz que “a inhuma com seu canto enche de fé e encanto a alma do pantaneiro”. E está presente na alta cozinha internacional junto às caras trufas e algo mais; não estaria aí mais uma causa da sua extinção, o tráfico de aves? Não estaria ela sendo substituída pelo sofisticado faisão?:

“ ...Se la envisca com foie gras, se la inhuma es una ave sobrecargada de grasa, se la sumerge picada em salsa oscura, se la desposa com hortalizas enmascaradas com mayonesa... !Pelusa de los picadillos, de las laminillas, de los recortes, de las peladuras de trufa!? Es que no es posible amarlas por sí mesmas?”. De : Guia Miguelim.com. [sic]. Que traduzo como segue: “...Se a besuntamos com foie gras [fígado de ganso, engordado especialmente], se a inhuma é uma ave bastante gordurosa, se a refogamos picada em salsa escura, se a juntamos com hortaliças banhadas com maionese... A penugem nos pedaços, nas lâminas, nos recortes, nas esfoladuras das trufas, dos cogumelos?! E não será possível amá-las por si mesmas?”




Vai aqui, em nome de todas as aves extintas, as que desapareceram no vale, ou estão em processo de extinção (Fundação Biodiversitas, “Livro Vermelho...”, 1998), e de todas as lagoas ainda existentes e as que foram drenadas (e que podem ser recuperadas), uma descrição desta bela ave por Augusto Ruschi, em “Aves do Brasil”: 

Inhuma é uma ave da ordem Anseriforme, da família Anhimidae, espécie Anhuma cornata. Seus nomes comuns são anhuma, anhima ou inhuma, e em inglês tem o nome de Horned Screamer. Tem como medidas: comprimento 890mm; asa 580; cauda 293; bico 55; tarso 110; altura total (do pé à crista) 820mm; altura da perna (pé até as penas) 350mm; altura do pé ao dorso/costas 590mm; peso - ? 

É uma ave de grande porte, de pernas fortes e dedos grandes, tendo na cabeça um longo chifre córneo, que lhe dá um singular ornamento e nas asas também estão implantados no bordo anterior de cada uma, dois esporões, um maior e outro menor. Esses esporões alares são utilizados nos ataques aos inimigos e nas lutas que travam. É ave palustre. Sexos semelhantes. A coloração da cabeça é mesclada de preto e branco; pescoço negro brilhante, seguido na base por uma faixa branco-cinza; parte superiores peito negros, com exceção das menores coberteiras superiores e os encontros das asas de cor branco-amarelada; abdomem branco; penas e pés pretos; bico e apêndice-cefálico pardoescuros; os dedos são ligados por uma estreita membrana. Os olhos tem a íris desenvolvida. Habitat: terrenos alagadiços ou grandes banhados que margeiam os rios e lagos. Sua distribuição geográfica é ampla: Colômbia, Venezuela, Guianas, Equador Peru, Bolívia e Brasil, em toda a Amazônia, e outros estados do Sul-Sudeste. Atualmente está ficando restrita ao Pantanal matogrossense.

Comportamento: é terrestre, vivendo aos casais, embora muitos estejam no mesmo banhado. Quando alça vôo pode, inclusive, voar a grande altura. Sua voz é constituída por gritos estridentes e muito fortes, chegando mesmo a serem ouvidos a mais de dois quilômetros de distância e, ao anoitecer, quando muitas se empoleiram no topo das árvores, ao longo dos pântanos e dos rios, executam um vozerio muito impressionante, pois cantam todas ao mesmo tempo. A alimentação é constituída notadamente de vegetais; também é predador de insetos e gosta de sementes diversas. É diurna e passa o seu tempo nos campos e banhados.

A nidificação, postura, incubação e cuidados com a prole é um bonito processo. O galanteio é bastante acentuado, pois o macho eriça sua plumagem e emite granidos bem fortes, além dos movimentos com as asas e o corpo. O ninho é construído nos meses de agosto em diante, ambos trabalham em sua construção. É feito de material vegetal, como junco e outras folhas, colocadas no meio de um local abrigado na vegetação do banhado e como fundo para firmar sua estrutura estão entrelaçados muitos gravetos; é grande, pois tem cerca de um metro ou mais em seu diâmetro externo, e é bem forrado. A postura é de 4 ovos brancos, frequentemente tingidos com pintas verde-claras, e medem 90 x59mm em seus eixos. Os jovens são nidífugos e o período de incubação é de até 35 dias. Os jovens são cuidados e alimentados pelos pais (Ruschi, 1979).



Para a enciclopédia Delta-Larouse (1986), “a inhuma é uma ave pernalta de grande porte, encontrada nos pântanos brasileiro e argentino. Alimentando-se de vegetais, passa a maior parte do tempo no solo. O macho e a fêmea dividem as tarefas de construção do ninho, incubação dos ovos e cuidados com os filhotes. Tem uma formação córnea na cabeça e duas fortes esporas córneas, curvas e pontiagudas, na dobra inferior das asas de 2 metros de envergadura. A crença popular de que o corno e os esporões da inhuma são antídotos para veneno ou feridas infecciosas e que dão sorte aos caçadores que os usam, colabora para o extermínio crescente da espécie. É também conhecida por anhuma, anhima, inhaúma, alicorne, unicórnio, cametau, camixi, cauintã, cuintau, cavintau, cavitantau”.

Tantos nomes para uma bela ave em extinção e homenageada em tantos topônimos, versos e música!Outra descrição (da Barsa) foi-me apresentada por Ronald Guimarães, que possui uma propriedade rural banhada por Inhumas e pretende reintroduzi-la lá:

“Ave da família dos Anhimídeos, conhecida como inhuma. Na Amazônia dão-lhe os nomes de unicorne e cametaú. Além do esporão ou chifre na cabeça em forma de espinho córneo, medindo até 12 cm de comprimento, possui também dois outros nos bordos anteriores da asa. Os pés possuem dedos extremamente longos, o que lhe facilita a locomoção no seu ambiente natural, ou seja, regiões alagadiças à beira dos lagos ou igapós. Alimenta-se de plantas, sobretudo mururés e azedinhas. A A. cornuta ocorre ao norte e centro do Brasil, possui colorido geral bruno-denegrido e preto, exceto o abdome que é branco. As penas da parte anterior e da cabeça são ondeadas. A Chauna torquata denominada anhumapoca, tachã e chajá, ocorre no sul e oeste do Mato Grosso e São Paulo até a Argentina. É semelhante à precedente, porém sem o chifre ou esporão da testa. O colorido geral é cinzento. A garganta e parte do pescoço superior à zona nua são brancas. Seu canto é onomatopéico, repetindo as sílabas tachã, tachã! e chaá, chaá! pela madrugada e ao escurecer. Nidificam nos pantanais, em lugares de difícil acesso. O esporão frontal da A. cornuta é tido como medicinal pelos nativos da Amazônia”.



Um dos mais lendários fazendeiros da região de Inhumas, Juvêncio Rodrigues Nunes, contou-me certa vez que uma bióloga suíça fez pesquisas por aqui, embrenhando-se de manhã à noite pelas águas e macegas da lagoa. É
um daqueles relatos que ouvimos e jamais esquecemos, até lá um dia voltar e perguntar como foi mesmo, quando, e quem sabe recomeçar tudo de novo, uma vez que vale a pena. 

E após o retorno da expedição, uma das mais gratas notícias que recebi indica algo inusitado: a inhuma está voltando de tempos em tempos à lagoa de Inhumas; talvez em vôos migratórios, vindo não sei de onde e indo para não sei onde, um bom trabalho de pesquisa para os estudantes de biologia da escola local; pessoalmente, cogito em montar um projeto nesse sentido. Estudar seus hábitos e rastrear a rota de uma ave rara e pródiga que retorna ao lar, é no mínimo estimulante e revitalizador, um sinal para os novos tempos que estão por vir. Esta boa notícia foi-me dada pelo veterano fazendeiro inhumense João “Bão” Vieira e pelo nem tão veterano inhumense Lindoalmir Dornelas, dentista, e fazendeiro na vizinha Lagoa Preta.

O carst
Técnica e genericamente as formações calcárias são chamadas de carst ou carste. A ação química de águas ácidas sobre rochas de conteúdo calcário, calcítico e dolomítico, está intimamente ligada ao ciclo geomorfológico que controla a erosão das rochas solúveis. Tal tipo de erosão denomina-se erosão cárstica. A palavra deriva da região Karst, província da Dalmácia, na Sérvia-Bósnia. Inúmeros termos internacionalmente utilizados na descrição e identificação de fenômenos cársticos são também dessa origem. A etimologia vem de kras, pedra, de onde deriva a palavra carso que em latim, dá nome à região padrão localizada em ambos os lados do mar Adriático (Rolff, 1973).

As cavernas resultam basicamente da ação e circulação da água sobre rochas solúveis, em especial as carbonáticas, dentre as quais se salientam as conhecidas usualmente como calcárias, registrando-se, porém cavidades inseridas também em outras litologias, como: quartzitos, arenitos, xistos, granitos e gnaisses. Possuindo alto valor estético, as formações no interior das cavernas conhecidas como espeleotemas (depósitos de origem química), como estalactites, cortinas, e várias outras formações, permitem através de sua análise, identificar variações paleoclimáticas, inclusive datá-las, sendo importantes para estudos mineralógicos, físicos e químicos. Com temperatura e umidade praticamente constantes, o ecossistema cavernícola guarda informações do mundo externo de forma eficiente. Sendo protegido da luz do sol, das chuvas, etc..., este ambiente conserva como poucos as ossadas de animais extintos, pólens de antigos vegetais e vestígios dos grupos humanos primitivos que habitaram suas entradas (Cecav / Ibama).

Mastodonte
As narrativas sobre o mastodonte descoberto em março de 1998 na gruta do Angá em Pains, parecem não ter fim. As ossadas indicam tratar-se de um mastodonte, um tipo de elefante gigante peludo e grandes presas recurvas, ancestral do atual elefante. Na Europa e Ásia são chamados de mamutes, fósseis muito comuns na Sibéria. Os mastodontes incluem-se entre os fósseis mais comuns, e mediam até 4,5 metros de altura. Viveram na era geológica chamada Pleistoceno, que teve início há cerca de 1.750.000 anos e fim há cerca de 10.000 anos. É a chamada Idade do Gelo. O homem surgiu antes desta era há cerca de 3.500.000 anos evolutivamente. O ‘mastodonte de Pains’ - os fósseis recebem o nome do local onde são encontrados -, tem cerca de 11.000 anos de idade, um bebê, perto de outros fósseis. Fóssil é o vestígio ou o que resta de uma planta ou animal que viveu no passado. Pode estar inteiro ou apenas partes, o que é mais comum. Vegetais e animais cujo meio-ambiente são áreas secas formam menos fósseis do que os que viveram em áreas pantanosas ou na água. Os minerais dissolvidos na água ajudam a formar fósseis. Só os que foram logo enterrados e protegidos da decomposição se tornaram fósseis. Partes duras, como dentes, ossos, conchas, madeira, tem maior dificuldade em serem decomposto, por fungos e bactérias do que os tecidos, e se transformam em fósseis petrificados: - Como isto acontece? - São formados por um processo chamado reposição. A água dissolve e arrasta a substância original do animal ou planta. À medida que a substância se dissolve, é substituída por minerais. Assim, minerais enchem os pequenos espaços aéreos dos ossos, etc, sem mudar a forma original do ser vivo, agora reforçados pelos sais minerais. Mas existem outros processos, como a carbonização. O petróleo é um fóssil líqüido. 

A região da ‘Mata de Pains’ preenche essas condições. Fósseis podem ser encontrados em qualquer parte onde haja rochas sedimentares expostas. Quase todos os fósseis se encontram em rochas sedimentares, que cobrem ¾ da Terra. Podem estar até em nosso quintal, mas os melhores sítios para encontrá-los são os lugares onde a água e o vento cortaram profundamente as rochas e deixaram grandes áreas expostas, com os fósseis próximos à superfície. Fósseis mais antigos jazem normalmente nas camadas mais profundas. 

Toda a região da chamada Mata de Pains, que cobre uma área superior a 500 km2 dos municípios de Iguatama, Pains, Arcos e Doresópolis, além de Córrego Fundo, Piu-mhy e outros com maciços cársticos ou calcários dispersos do Grupo Bambuí, são susceptíveis de ocorrer fósseis. Nas regiões de cerrado na margem esquerda do São Francisco, que tem formação geológica muito antiga, os fósseis são raros. Em 1816, Saint-Hilaire já encontrara fósseis na região de Pains.

O ecoturismo, as trilhas e as velhas fazendas. As lendas
É difícil encontrar em todo o estado de Minas Gerais uma região tão mineira nas suas raízes que ainda se mantém, quanto esta da Mata de Pains, que se emenda com as cabeceiras do São Francisco. Isto porque não há nela influência de nenhum estado limítrofe. Velhas sedes de fazendas, centenárias fazendas, algumas com senzalas, moinhos e engenhos, resistem. Outras em ruínas, muitas foram demolidas, um crime contra o patrimônio arquitetônico - cultural de cada município e da memória de um povo. Apenas a ignorância e a ganância justificam essas atitudes contra tão rico acervo do mundo rural, que se somam aos crimes ambientais contra reservas nativas e sítios arqueológicos.

Reservas de calcário no mundo
A Mata de Pains é esse pontinho no mapa a seguir, em 20 graus de latitude sul; as duas manchas que são vistas no vale do São Francisco ficam na região de Januária e Itacarambi, no norte de Minas Gerais, e a outra na Bahia. A outra mancha grande fica em Goiás, fora do vale. A SBE e Ongs vem lutando para a preservação desse frágil ecossistema de afloramentos rochosos, coberto de vegetação típica, sustentáculo para as cavidades do mundo subterrâneo. Essas riquezas vem sendo mapeadas pelo governo e iniciativa privada, para exploração pela indústria cimenteira, de calcário agrícola, construção civil, estradas, etc. 

Uma contrapartida dos proprietários dessas fazendas típicas, pode unir e conciliar as atividades rotineiras do dia a dia ao ecoturismo e hotéis-fazenda, que passariam a receber grupos de profissionais liberais, empresários, trekkers, bikers, espeleólogos, observadores de pássaros, canoístas, aliados a cavalgadas (horse-cross), bike-cross, mountain-bike, hipismo rural grupos e mais grupos de professores e estudantes para educação ambiental. Belo Horizonte tem um potencial de 40 000 ecoturistas, sendo considerada a capital ou a meca nessa área. Inúmeras empresas e agências programam e guiam levas e levas dos educados amantes da natureza para passeios no campo, nas férias e finais de semana. Destino: pousadas, hotéis-fazenda, campings, expedições, trilhas, etc. São em tudo contrários aos “farofeiros e rancheiros”.



O bucolismo, associado ao clima e à magia que cada fazenda e a gente do lugar exercem sobre quem nela chega - a hospitalidade, a espontaneidade, o sorriso, a fartura -são também fortes atrativos. Artesanato em colchas de tear, rendas, crochês, tricôs e bordados são comuns. E os casos de assombração ao pé do fogão de lenha no inverno, que o frio quando vem é de rachar. E de rodas de engenhos que giram sozinhas. E de caboclos d’água, sacis, sucuris, carrancas que gemem e roncam junto às pontes. E as pessoas assustadas a dizer que não acreditam em caboclos d’água, mas que eles existem, existem. E histórias e mais histórias se somam às antigas como a compra de lotes na Lua por arcoenses em 1969 quando pela primeira vez o homem pisou no solo do satélite.
Histórias recentes de outros bichos, de urubus “Casimiros” e de fósseis mastodontes: se o achado de apenas um deu no que deu, será um Deus nos acuda quando todos os que ainda estão soterrados dentro de cavernas e grutas vierem à luz pelas mãos dos pesquisadores. Extra-terrestres, ETs, sim eles existem: de vez em quando passam por aqui, mas um pouco mais distante, em Varrrginha são mais comuns. Discos voadores, de quando em quando aparecem, ocorrendo incursões deles em Iguatama, sempre vindos da Boa Vista, a tirar vôos rasantes nas quinas dos telhados. E por onde passam sempre fica o que todos sabem desses eventos: seres humanos estupefatos e assustados, como bois a olhar para o palácio. E extra-terrestres fugindo não se sabe se de medo ou de susto, num misto de suspense e velocidade, foco e raios de luz. E aqui se contou mais uma história, um “causo”. Existem muitas lendas sobre N. Senhora da Abadia que se esconde em troncos de árvores; sobre uma cidade submersa na lagoa de Inhumas, do poço encantado onde aparecem figuras e muitas outras. Sobre Inhumas lembro-me vagamente da aparição de uma “santa” à beira do lago nos meados de 50, quando uma verdadeira romaria rumou para o lugar, e cada um contava o que via: minha mãe viu uma santa com um rosário, meu pai viu um homem montado em um cavalo, o padre Dante Maria Pozzi, como bom anarquista italiano, dizia aos sete ventos que viu uma mula sem cabeça. Muitas pessoas hoje juram de pés juntos que já viram o finado padre montando uma mula baia e envergando pesada capa de feltro campeando naqueles ermos. Eu não vi nada porque tinha quatro-cinco anos, mas lembro-me dessa história como se hoje fosse. Vou aqui narrar um sonho, nebuloso como todos eles são - na verdade existem outros dois de 1995, o “das dez cidades-mães” e o de navegar em um grande barco nestas águas -, desses que todo mundo sonha e esquece, mas que nestes casos especiais, tomei o cuidado de anotá-los de imediato ao acordar. Talvez pelo fato que eu estivesse morando aqui e levantando os dados citados e com os mapas e nomes geográficos à vista, sonhei e tenho sonhado bons sonhos e isto é um bom sinal. Mas devo confessar que já havia ouvido essas histórias do Lico Paiva, o pescador. Ele vai contado a seguir tal como na visão onírica e como a ouvi:
“A lagoa de Inhumas e todas as outras suas irmãs rio abaixo, foram escavadas quando Deus fez o mundo. A terra retirada foi amontoada ali perto mais acima, surgindo assim a serra da Canastra. E das suas entranhas, de dentro das pedras e dos capins que se formaram, brotou um jequitibá gigantesco. E as suas raízes eram tão fortes e profundas que buscavam a água dos veios. Assim, dos veios de diamantes brotou veios de água cristalina. E do maior veio e do mais alto galho nasceu o rio São Francisco que rolou, rolou e caiu na Casca d’Anta rumando para o mar, tão longe que ninguém sabe onde fica. De outros dois veios dois galhos nasceram, surgindo os rios Samburá e Santo Antônio, que correram na vertente contrária. Para trás, contrário a todos os outros, de outro galho fluiu o Araguari, que correu e foi desaguar no Paranaíba e este no Paraná. E das folhas minou o orvalho e derreteram dos capins as geadas, que rolaram pelos flancos das escarpas, formando as cachoeiras que despencam pelos precipícios num eterno, cristalino e doce murmúrio. ”
Ah, será preciso que os deuses façam outra serra da Canastra com o desaterro das lagoas hoje assoreadas, os jequitibás cresçam e brote das folhas o orvalho... As crianças desde cedo ouvem os pais contarem que o “arco da velha” surge quando bebe água no rio São Francisco e a despeja na lagoa de Inhumas, onde existiam exóticas aves, cobras sucuris e revoadas de pássaros. E da origem do nome Casca d’Anta. Sobre esta cachoeira correm várias versões. Vamoa à primeira, do sábio francês St. Hilaire: “O rio S. Francisco deve sua origem à magnífica cascata denominada cachoeira da Casca d’Anta (a árvore conhecida pelo nome de casca d’anta é o Drymis granatensis dos botânicos, que se despenca por cerca dos 20° 40’, da Serra da Canastra, montanha situada na parte oriental do rio das Mortes”. Uma outra diz que as pedras da cachoeira se parecem com a cor do casco da anta, escuro. Outra diz que os bandeirantes surpreenderam um bando de antas banhando-se no local umas, estendidas nas pedras e matacões outras. Uma outra afirma que as antas foram surpreendidas descascando árvores próximas que as curavam de males, daí Casca d’Anta. Por outro lado casca é desinência de cascata, cachoeira ou queda d’água, do mesmo modo que se diz d’anta, da anta, comum no português arcaico: cascata da anta, derivou casca d’anta. Acredito em cada uma em particular e em todas ao mesmo tempo, uma vez que retratam o mesmo paradisíaco local.

Histórias de rio e de gente. O pescador Lico Paiva contava casos parecidos, não sei se saídos da sua fértil imaginação ou se eram sonhados, retratando o seu dia a dia. Hoje vejo que neles havia muita hidrologia, geografia, peixes e bichos fantásticos, retratando o imaginário daqueles homens da velha cepa. Cada um e cada rio tem a sua lenda. O São Francisco tem muitas.

É interessante ouvir os relatos de velhos fazendeiros que até a década de sessenta levavam boiadas no aboio, seus rebanhos para as ‘invernadas’ na Canastra no período chuvoso, uma atividade chamada transumância. Como o senhor Arlindo Barbosa e Mário Doutor de Iguatama, e o senhor Neca da Barra, de Pains. Até os anos 60 era comum as boiadas descerem dos altos da Canastra passando em frente a nossa casa (era uma fazenda urbana) que dava a frente para a rua que desemboca na ponte JK ou da Carranca em Iguatama. A poeira levantada por aqueles 1000-1200 bois era tanta que parecia a neblina que tudo encobre nas manhãs de inverno. A boiada ficava estacionada nos arredores de Garças de Minas aguardando o embarque para os frigoríficos em Campo Belo. Ainda hoje essas áreas são desprovidas de vegetação devido ao forte pisoteio. O boiadeiro Arlindo Barbosa, o nosso Dom Quixote, é famoso pelos casos exagerados de onças, engenhos, tempestades... Como aquela em que o raio caindo, entrou pela torneira e o perseguiu casa adentro, só saindo quando abriu esbaforido a janela, e o corisco caiu afinal no tronco da velha árvore do descampado decepando até as raizes.
Pelos velhos caminhos carroçáveis, entre cavas, porteiras e pastos encapoeirados, é que  ‘tropeiros’ de hoje pensam reconstituir um estilo de vida que já se foi. Para isto, velhos arreios, peitorais, estribos e bornais vêm sendo desempoeirados e engraxados. E cavalos, burros e mulas, ferrados. Cento e vinte quilômetros, via Bambuí e Samburá ou Inhumas-Doresópolis-Guiné-São Roque, pela antiga linha Iguatama-Pium-hi. Um pulo, é logo ali. Outras trilhas que podem ser reativadas são os caminhos percorridos pelos naturalistas-viajantes do século passado, desde Santo Hilário em Furnas até Iguatama, passando por Pains, Formiga, etc.; a de Dona Beja saindo do Corumbá (Araújos)- Calciolândia-Iguatama; a de Iguatama-Lagoa da Prata por estradinha sinuosa de terra, passando por fazendas de alambiques, e outras. O turismo contemplativo pode ser feito observando-se a rica ave-fauna local, as orquídeas e o que sobrou das pinturas rupestres milenares apagadas do Corumbá. Na gruta do Jequitibá em Jatobá, um jequitibá de 30 metros de altura nasceu debaixo de um bloco gigantesco de pedra tomando a forma de um cachimbo, cujo acesso é feito arrastando-se por trinta metros até a dolina. A trilha do Garipú leva à capela de São Sebastião, com pinturas murais de Abelardo Carvalho, e aos paredões da Pedrinha e Pedra Grande, onde se pratica rapel.
Um fato quase lendário, uma espécie de tabu contado a meia voz, reflete um clima reinante no século XIX, época de caça às bruxas: é o episódio que eu chamo de “Inquisição de Porto Real”, a perseguição sofrida pela missão protestante norte americana de Samuel Rhea Gammon. Fugindo da malária em Campinas no final do século passado radicou-se em Lavras, até que tempos após, partindo de vapor de Ribeirão Vermelho pelo Rio Grande a missão chegou a Santo Hilário e daí a Pium-hy, Bambuí e Porto Real (Iguatama). Ao pregar em praça pública nesta cidade em 1900, tiveram suas bíblias queimadas e foram banidos da cidade, sendo antes refugiados por Miguel ‘Juca Paxá’. Outros dizem que eles se esconderam antes debaixo da antiga ponte de madeira cujas armações ainda existem. Algo parecido todos viram pela TV quando um ministro evangélico chutou literalmente uma imagem venerada e cara aos católicos. 

Sua passagem por Lavras deixou como legado o Instituto Gammon, a Escola Carlota Kemper e a ESAL, atual UFLA. Seguir os caminhos percorridos pelo Dr. Gammon - na viagem de Iguatama para Lavras ele passou naturalmente pela Mata de Pains - é uma trilha muito interessante, uma vez que desceu pelo Rio Grande, percorreu áreas de cerrado, cruzou o São Francisco no desfiladeiro do São Leão em Piumhi, outra vez o cerrado e o Velho Chico aqui, e o périplo fecha-se na Mata e Rio Grande no seu retorno. Este roteiro ou algo parecido me é caro, eu o seguia de trem pela Rede Mineira de Viação, Garças de Minas-Lavras em oito horas, quando estudante. Quase cem anos após, missionários católicos desceram o São Francisco desde a Canastra até o Atlântico em missão ecológica em 1992/93.
Os próprios nomes das cidades são obscuros, lendários, polêmicos e se perdem nas brumas do tempos. Pains, que dá nome à Mata, se dizia nos caminhos: estou indo para a casa ou a Mata dos Paim, os pioneiros Paim Pamplona. Ao que outros dizem não ser bem assim, o Paim seria o chinês Pa-In, que teria vindo da colônia portuguesa de Macau, sendo a prova disso os entalhes de ícones vagamente chineses na capela colonial do Rosário. Porém hoje, a outrora “terra das orquídeas raras e das grutas maravilhosas”, pois não há painense que se preze que não emposte a voz para dizer o slogan, virou “Poins - a cidade da neve de cal”. Iguatama - terra do rio curvo ou terra do rio que borda, em tupiguarani -, até hoje não convenceu a pelo menos metade dos seus habitantes: o nome foi imposto em 1943, quando se tornou cidade. E muitos sonham com a volta do primitivo nome: Vila de Nossa Senhora da Abadia do Porto Real do São Francisco, isto é, Porto Real. Um plebiscito poderá definir qual o melhor nome. Egressos do movimento hippie dos anos 70 dizem que o nome vêm de Sidarta Gautama, isto é, o Buda, que teria andado por aqui em busca do nirvana.
Arcos, pelo Córrego dos Arcos, que ali passa, arcos de barril que os meninos brincavam, ou que eram pendurados numa árvore para indicar um pouso de tropeiros, mas que antes já fora Bodoque, ou estilingue, atiradeira, que lá todo guri que se prezava andava com um ao pescoço. Arcos da polêmica música “A praça” dos anos de chumbo e dos dois agricultores que compraram lotes na lua no Mercado Central de Belo Horizonte em 1969. Córrego Fundo que não é apenas um ou uma, mas três burgos: de Baixo, do Meio e de Cima e que por isso deveria se chamar Três Córregos Fundos .... Pi-umhy (ou Piuí?) Ou, Pinhumhy, P-iu-hi, Phiuiy, e até mesmo Piauí, ou..., a primeira cidade da bacia para quem vem de Capitólio e Furnas, tem 142 combinações diferentes de grafar seu nome, segundo antigos funcionários da prefeitura, registrados e carimbados pelos correios ao chegar a correspondência. O autor dessas pesquisas é o professor Ovídio Arantes de Mello. O termo quer dizer “água do pium”, “água de mosquitos no brejo cururu”, o mosquito pernilongo. St. Hilaire dá como significado “água da andorinha” (m’biui). Muitas de suas variações são fantasiosas, tomadas de vocabulários.

E por último mas não a última, Doresópolis que já foi Perobas, mas após a extinção desta nobre e abundante madeira de lei e emancipar-se como município em 1962, se tornou a “cidade das Dores de Nossa Senhora”. Todas essas pequenas e pequeninas cidades integram as dez cidades-mães do Rio São Francisco, no sentido anti-horário: Iguatama, Bambuí, Medeiros, São Roque de Minas, Vargem Bonita, Pyumh-y, Doresópolis, Pains, Córrego Fundo e Arcos, fechando o círculo na primeira. Para quem quer conhecer as cavernas e a paisagem do carste com seus maciços a partir de Iguatama até Pains, e desta até a Gruta do Angá ou do Mastodonte, já na divisa com Furnas, existem dois roteiros: por Calciolândia (rio São Miguel) e por Capoeirão (Ribeirão dos Patos). Ao longo de ambos os rios, através de estradas de terra bem conservadas, existem inúmeras grutas e dezenas de sedes de fazenda decadentes, muitas desabitadas. Essas fazendas, sofrendo uma restauração simples, poderiam se transformar em mais um roteiro ecoturístico de Minas Gerais. Poderá ser esta uma forte opção de lazer para quem vem aos vizinhos clubes do lago de Furnas ao lado - mínimo de 10 km e máximo de 40 km até Iguatama - um intercâmbio interativo entre as duas regiões tão próximas: lazer mais sofisticado naquela e lazer bucólico e rural na Mata. Remando nas águas do São Francisco, do São Miguel, do Ribeirão dos Patos e pelas teimosas lagoas que resistem, canoístas às voltas com sucuris e jacarés virando seus caiaques contam suas histórias em tudo parecidas com as dos pescadores, sem nenhum exagero. E quem não sente a energia da pedra que cerca Pains e avança pelos outros municípios? As pedras não falam, mas emanam energia. Ver as formas talhadas do índio, do condor e da onça sentada. Sentir a energia que o encontro dos três ecossistemas irradia em quem vive em Iguatama - o rio (São Francisco), a mata e a pedra (de Pains) e o cerrado - que de tão grande vai bater em Roraima das queimadas. E aqui estar em maio numa lua cheia, quando a chuva cai de repente e se vai, a lua de novo a brilhar, que todo ano é assim, o frio vem com a lua cheia e a chuva. E o São João não demora. Pode estar aqui um veio telúrico e ctônico engendrado por estes três fortes ecossistemas. Um bom motivo para respeitá-lo, não é comum tê-los à vista. Corumbá, Timburé, Jatobá; Inhumas, Garças, Bagres; Seio de Abraão, Pedra Grande, Pedrinha, Capoeirão, Calciolândia, Sumidouro. Pedra, gruta, mato, água, bicho e gente. Tudo é uma coisa só.
Esperamos que este projeto da criação de um parque estadual sirva de alerta e contribua para criar novas condições para gerar riquezas e produção regional dentro de parâmetros ambientais. A nós, ele se revela de um grande alcance sócio-econômico. Nossa intenção não foi propor ou fazer recomendações, mas, antes de tudo, através do conhecimento dos problemas apresentar soluções que só o poder público, o Estado, são capazes de resolvê-los em consonância com os anseios e a participação das comunidades envolvidas. A idéia básica é a implantação do parque e da APA das Dez Cidades-Mães do São Francisco e no seu bojo a iniciativa privada se encarregará de implantar os mais diversos projetos atrás delineados, desde que haja incentivos agrícolas e para micro-empresas. No momento a região não apresenta fluxo turístico, mas poderá vir a tê-lo, unindo o potencial existente com as ações necessárias. Aí então entram as comunidades apoiadas pelo Sebrae, a Associação Mineira dos Organizadores do Turismo Ecológico-Amote, e a Associação Mineira de Turismo Rural-Ametur, e um pool de outros interessados do segmento produtivo, industrial e agropecuário como cooperativas, Emater (possui programa de ecoturismo), Ruralminas, Ima, IEF, Igam, Mercosul, etc.
Plano de ação
Prevê-se que o projeto e sub-projetos sejam aprovados e implantados num prazo máximo de doze meses após a sua entrada. Como as Ongs proponentes não dispõem de recursos para estudos de viabilidade e outros, espera-se em contrapartida o empenho dos órgãos estaduais, municipais, ambientais, agrícolas e turísticos: Feam, Seagri/Emater e Selt – Secretaria Estadual de Lazer, Esporte e Turismo, na elaboração de planos e projetos específicos de fomento, crédito, incentivos fiscais e outros.
Após os estudos técnicos necessários e de praxe para a consecução dos objetivos, espera-se uma decisão favorável do Sr. Governador do Estado, assinando o decreto de desapropriações e posteriores indenizações que se fizerem necessárias. O governador Eduardo Azeredo, comprometido com o crescimento econômico sustentado e social, pai da “Lei Robin Hood”, haverá de se sensibilizar e não medirá esforços em prol da criação deste parque e áreas de preservação nas comunidades a ele ligadas.

Toda a região é tomada por pequenas, médias e grandes propriedades rurais. Extensas propriedades com maciços calcários e reservas florestais que os recobrem, pertencem a grupos industriais e mineradoras. Sabe-se que muitas jazidas contínuas não têm valor de exploração econômica, face aos baixos teores químicos e de minérios apresentados. Existem na região grandes fazendas inexploradas devido a embargos judiciais e outros. São estas as áreas potenciais para a criação do Parque. Grupos e empresas mineradoras conhecidas - e documentadas - por seu longo e contínuo processo de exploração predatória poderão ceder áreas contínuas de terras para fins ambientais, quando não para a criação de um grande parque estadual na Mata de Pains. Constitui esta uma forma de ressarcir a sociedade os enormes prejuízos ambientais e outros que tem causado à região. Até então apenas estes grupos de empresários tem obtido ganhos econômicos, e uma vez esgotados os recursos e as matérias primas, transferem-se para outras regiões. Um exemplo atual é a Nestlé, que vem desativando suas instalações em Calciolândia e região para se concentrar na área mineira da Sudene, em Montes Claros.

Acreditamos que através de negociações, os grandes grupos que têm propriedades ociosas na região cederão as terras, seja por doações, desapropriações por interesse público com indenizações, permutas e isenções fiscais ou mesmo por livre e espontânea vontade, participarão dessa nova era - a do crescimento sustentado, com níveis superiores de qualidade de vida para as comunidades que, direta ou indiretamente se encontram em sua área de influência. Para evitar especulações, essas áreas não serão aqui definidas. No momento oportuno e quando convocados, os proponentes apresentarão os mapas e cartas topográficos, descrições e outros dados. Cada município terá a sua sede ambiental no Parque observando-se entretanto a legislação ambiental. Cada município deverá arcar com contrapartida de acordo com as leis orgânicas locais. O cronograma físico-financeiro trás a itemização das ações previstas e o respectivo tempo necessário, desde a análise pela Seam até a instalação do parque. A partir de então a educação ambiental deverá ser incluída nos currículos escolares.

Montante dos recursos a fundo perdido 
Em função do exposto no último parágrafo anterior, não é possível ser avaliado com segurança o montante de recursos necessários, o que só ocorrerá no decorrer e andamento das negociações e caracterização física efetiva, como dimensões, localização, etc. Estima-se um valor total de R$6.500.000,00 para o projeto e subprojetos. 

Agência financiadora
Recursos estaduais alocados pela lei Robin Hood/ICMS Ecológico serão repassados a cada município do PEMP ou que tenha APAs, RPPNs, ETEs, ETLs, etc, implantadas. Desapropriações e indenizações competem exclusivamente ao governo estadual. A operação e a manutenção do parque APAs e RPPNs ficarão a cargo dos municípios e proprietários particulares, em convênio com os órgãos ambientais estaduais, federais e Ongs de acordo com a legislação.



III- Introdução do ecoturismo / hotéis fazenda: 1999-2000
IV- Controle ambiental urbano, industrial e rural: imediato e urgente.

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Observações:

I- i. Análise da viabilidade do PEMP e APAs pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentado e seus órgãos executivos.
ii. Vistorias e reconhecimentos de campo com as áreas indicadas em cartografia básica à escala 1 : 50.000 e outras.
iii. O preço comum da terra na região é de R$ 1000,00/hectare.
iv, v, vi. Face à grande experiência e sensibilidade da Semad, Assembléia Legislativa e do atual governador do Estado para a causa, espera-se uma rápida tramitação.
II i. Prevê-se a inclusão de um total de R$ 6.500.000,00 ( seis milhões e quinhentos mil reais) no orçamento do Estado para 1999. Os municípios de Iguatama, Pains, Arcos, etc, alocarão recursos da Lei Robbin Hood/ICMS ecológico a partir da aprovação do PEMP/APAs.
ii Como a região é dotada de infraestrutura geral, a implantação será rápida e a baixos custos.
iii e iv e v. Parque Estadual de Mata de Pains, APAs e RPPNs: crescimento sustentado e isso.


Dados municipais - Área e população beneficiada
Municípios abrangidos pelo Parque Estadual da Mata de Pains e entorno.


Diálogos pouco ou nada socráticos

Tamanduá bandeira-1
- Platão, digo, Gastão, veja o que fizeram com o tamanduá-bandeira. Ganhei isto há pouco dado pelo Timeu. Segundo ele, o bicho foi morto pelo pessoal da Arcádia, ora, da Pedra Branca, no sábado.
- Ah, eu também tenho uma igual.
- Puxa, onde é que você conseguiu uma unha tão grande?
- Ora, nós matamos o tamanduá lá na fazenda Boca da Mata, no terreiro da casa.
- Você o matou?
- Sim, ele estava atacando a gente no terreiro e provocava os cachorros.
- No terreiro, Gastão?
- Sim, no terreiro. Atacou um cachorro, por isto o matamos; deu dezesseis quilos de carne, a turma toda
foi para o churrasco.
- Ah, para o enterro!
Tamanduá bandeira-2
Inhumas. Estava tão quente lá fora na hora da canícula, o ar tão parado, que o forte cheiro dos estábulos se misturava com aquele que vinha do delicioso bolo de canela. A jornalista continuou, entre o bolo e o café:
- O que mais, mestre Sócrates, outros bichos...
- Tamanduá-bandeira, de vez em quando aparece algum, nas moitas. Mas é um bicho muito sofrido.
- Por que?
- É muito perseguido, dizem que é símbolo de atraso tê-lo na propriedade. Mas aqui no que é meu eles são livres e protegidos. Comem formigas, insetos, são inofensivos e muito bonitos. Diria mesmo que são os nossos ursos, só não comem mel!


A bem do registro, devo dizer que isto se passou na fazenda Inhumas, do senhor Eponino Vieira, em maio de 1998. A jornalista é Marlyana Tavares, do “Estado de Minas”, madrinha do Parque Estadual da Mata de Pains, tão grande é o seu empenho em ve-lo criado, quem sabe, um dia. A guia Paula Vieira Reis, pelos caminhos de Inhumas, neta do fazendeiro. “Metáforas, Geraldo, fale por metáforas, quando tudo se embola e todos passam a entender nada de nada”, dizia a jornalista entre os solavancos do Pálio dirigido pelo Cirilo “Tira” Ladislau nas curvas e estreitas estradas empoeiradas.

Considerações finais
Esperamos que este projeto da criação de um parque estadual contribua para criar novas condições para a elevação da riqueza e produção regional dentro de parâmetros ambientais. A nós, ele se revela de um grande alcance sócio-econômico. Nossa intenção não foi propor ou fazer recomendações, mas, antes de tudo, através do conhecimento dos problemas apresentar soluções que só o poder público, o Estado, é capaz de resolvê-los em consonância com os anseios e a participação das comunidades envolvidas. A idéia básica é o Estado implantar o parque, etc e no seu bojo a iniciativa privada se encarregará de implantar os mais diversos projetos atrás delineados. No momento a região não apresenta fluxo turístico, mas poderá a vir a tê-lo, unindo o potencial existente com as ações necessárias. Aí então entra o Sebrae, a Amo-te e Ametur e um pool de outros interessados do segmento produtivo, industrial e agropecuário como cooperativas, Emater, Ruralminas, Ima, IEF, Igam, Mercosul, etc. A partir daí será possível discutir as bases para um turismo ecológico em bases sustentáveis como fonte de geração de riqueza, ou seja, emprego e renda.

As Organizações Não Governamentais - Ongs, e que elaboraram este projeto, desde já e de antemão, esperam o desenrolar e os encaminhamentos necessários, que, sabemos, terão solução favorável dentro das proposições nele contidas. Para os proponentes que assinam este documento, é uma forma de contribuir para a análise da situação atual e o seu significado. Estamos ao inteiro dispor para as informações e dados indispensáveis para a implantação do projeto e sub projetos.

As organizações não governamentais - Ongs, que elaboraram esta proposta desde já e de antemão, esperam o desenrolar e os encaminhamentos necessários que, sabemos, terão solução favorável dentro das proposições nela contidas. Para os proponentes que assinam este documento, é uma forma de contribuir para a análise da situação atual e o seu significado. Estamos ao inteiro dispor para as informações e outros dados e informações para a implantação do projeto e sub-projetos.

Agradecimentos
As nossas incursões pelos matos sempre tiveram a cobertura da imprensa, escrita ou falada. Agradecimentos especiais são feitos à jornalista Déa Januzzi, do “Estado de Minas”, a pioneira em retratar esta esquecida região, em suas irretocáveis reportagens e crônicas; à jornalista Marlyana Tavares, do mesmo jornal, pela matéria de capa sobre a região e por ter percorrido as trilhas cársticas, ribeirinhas, lacustres, do mastodonte, das pinturas rupestres e da Estiva. 
Caminhos palmilhados com dificuldades sem fim pelos bandeirantes e pioneiros. Os agradecimentos são extensivos aos jornalistas Gustavo Werneck que cobriu o achado do mastodonte, e William Santos, pelo caderno especial sobre a lei ecológica Robin Hood. Ao repórter fotográfico Renato Weil, pelas belas imagens das pinturas rupestres e do grande potencial natural e cênico da região; ao Cirilo “Tira” Ladislau Silva, um ás do volante. Também o Correio Centro Oeste de Arcos, a Folha da Manhã de Passos (jornalista Alessandra Martins) e a Tribuna Formiguense. À superintendente da Amda Maria Dalce Ricas, pioneira da ecologia mineira que, onde tem uma causa ecológica, lá está ela a defender. 
PS: Elaboração e visita de campo pelas Ongs representadas e que assinam o presente documento. A pesquisa, redação e citações bibliográficas foram feitas por Geraldo Gentil Vieira - Crea 14141/ D-MG e a metodologia adotada foi aprovada pelos signatários.
Aqui termina o projeto do Parque Estadual da Mata de Pains e da APA das Cabeceiras; seguem algumas considerações locais e voltaremos à Expedição Américo Vespúcio mais adiante, senão nos perderemos nas cavernas e nos afluentes.
Descidas em caiaques, canoagem
João Tomasini Schwertner é presidente da CBCa-Confederação Brasileira de Canoagem, em Estrêla-RS. Participou dos Jogos Olímpicos de Moscou, Barcelona, Atlanta e Sidney. Encaminhei a ele um projeto de canoagem, e ao telefone disse-me: “Ora tchê, onde tiver um rio correndo, vou até a ele fundar o clube e a escola de canoagem”. Ele veio e fundamos o clube, e com ele o início das expedições em 1994. Ele registrou no livro: “De passagem por Iguatama para ajudar a criação da Associação Iguatamense de Canoagem-AICa e da escola de canoagem, saio confiante com o entusiasmo local e com a certeza de que a cidade ajudará o renascer da canoagem mineira...” (18/08/94).

O deputado Ronaldo Vasconcellos: “...O tempo colocará a cidade de Iguatama numa importante referência ambiental de nosso Estado. O prefeito Manoel Bibiano sonha e trabalha para trazer para Iguatama uma faculdade. Quem sabe uma faculdade de Meio Ambiente...” (presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 13/09/1994).

Sérgio Grossi, presidente da Femic, escreveu: “Foi um grande prazer estarmos em Iguatama nos dias 17 e 18 de setembro (1994). Esperamos que no próximo ano vocês daqui é que farão a exibição para a Federação Mineira de Canoagem”.

E o prefeito Manoel: “Darei todo o apoio necessário para a implantação da canoagem no município como esporte especializado, aproveitando o grande potencial do rio São Francisco e das lagoas marginais, e farei o possível para tratar o esgoto urbano na minha gestão”.

Tomasini, Mônica e Decinho (joalheiros), Osvaldo Brito, diretor da Vetrotex do Brasil/Vidros Santa Marina, o engenheiro Almir Aguiar da White Martins, o Sérgio Grossi, o Scalabrini, e o prefeito Manuel foram meus parceiros e pioneiros, visando levantar com as armas nosso alcance a questão do rio nestas latitudes.

Naquele ano fizemos a primeira canoagem ecológica (Vieira, 1994) em dois dias de outubro, desde quase as cabeceiras, do desfiladeiro do São Leão até aqui, com acampamento em Inhumas. Foi uma descida muito difícil devido às chuvas e as estradas lamacentas de acesso aos barrancos para apoio. O prefeito de Bambui, Neysson Paulinelli levou panelões de comida em São Leão, mas os canoístas já tinham passado; nesse dia eles comeram peixe assado debaixo de chuva. E os velhos do asilo em Bambuí tiveram um banquete, segundo o prefeito. Mais abaixo em Doresópolis o almoço oferecido pelo prefeito desta ocorreu no bambuzal, sempre chovendo, meados de outubro e rio pelo meio. Foi esta uma memorável expedição, arriscada e trabalhosa devido às chuvas torrenciais. O comando da PMMG em Belo Horizonte pediu seu adiamento, mas como já era irreversível a data foi levada adiante. Lembro-me que cobrimos um trecho de 104 km, medidos com barbante três vezes e tirada a média em cartas 1:50.000, uma vez que eu não tinha curvímetro, muito menos computador e programa de ArcInfo. Os depoimentos seguem ainda em tudo atuais, registrados pelo Correio Centro Oeste, Arcos, out/1994:

“A beleza natural é fantástica, a própria natureza se recompõe. A vegetação é rica em orquídeas variadas, vale a pena ser introduzido um passeio turístico-ecológico bem estruturado” (Sérgio Grossi, corretor de imóveis, presidente da Femic- Federação Mineira de Canoagem, Barbacena);

“o maior problema foram as chuvas, assim os carros não chegavam aos pontos de encontro com a comida. Mas fizemos um peixe assado que valeu a pena” (Fernando Teixeira, empresário arcoense);

“o rio e a região são muito bonitos. As pessoas precisam plantar mais árvores nas margens, senão em breve não haverá mais rio, porque o rio está carregando as margens” (Eduardo Krammer, engenheiro mecânico, vicepresidente da Federação de Canoagem do Estado do Rio de Janeiro);

“minha intenção agora é profissionalizar-me (na canoagem). Vimos cavernas, peixes variados. É tudo muito bonito, a devastação existe quando estamos chegando a esta região mais próxima, mas em relação ao passeio, foi muito válido”. (Rogério Vítor de Carvalho, estudante de educação física e canoísta, iguatamense);

“é um orgulho muito grande para mim o fato de meus filhos remarem. Espero que continuem quando eu nãoestiver mais no esporte” (Manoel R. Pereira, lavrense, empresário e canoísta referindo-se a Suzana, 16 anos, e ao filho de 12 que também rema; já participaram de vários eventos);

“vimos muitos animais nativos e também uma grande quantidade de redes e muitos barcos de pescadores circulando. Acho que é muito barco para pouco espaço, mas no geral gostamos muito e foi válido. Foi uma grande aventura” (Jander, mecânico, lavrense);

“aqui em São Roque, o esgoto cai no afluente [rio do Peixe, que deságua no Santo Antônio], mas no caso de Vargem Bonita todo o esgoto cai direto no rio São Francisco, sem nenhum tipo de tratamento. Isto é um crime que nos deixa preocupados. Temos ouvido das autoridades que vão tomar providências, mas de prático, nada” (Cairo Manoel de Oliveira, advogado, prefeito de São Roque de Minas, e novamente no cargo em 2001);

“a ausência de grande número de participantes deveu-se às chuvas. Vários canoístas  cancelaram suas inscrições, mas os que vieram tiveram uma experiência única. O apoio ao evento foi formidável: tivemos a colaboração do corpo de bombeiros de Divinópolis e a cobertura de um helicóptero da PMMG, com o comando e o ten. cel.Zavarezzi sobrevoando o parque nacional e os garimpos de Vargem Bonita, além de Inhumas e Mata de Pains” (Geraldo Gentil Vieira, presidente da Associação Iguatamense de Canoagem).

Este evento contou com a cobertura do alto comando da PMMG, que sobrevoou a região de helicóptero, enviando ainda todos os Grupamentos da Polícia Ambiental da 2ª Cia PMFlor de Bom Despacho. Também o comando da PM regional de Passos enviou militares para a blits ecológica, através do Cte. Cel. Roberto Andrade. Só vim a saber deste fato anos depois por meio deste, que é meu primo, dizendo que recebeu correspondência neste sentido do comando em Belo Horizonte. Tudo arranjado pelo deputado Ronaldo Vasconcellos, líder de meio ambiente na Assembléia Legislativa.

Em 05/06/1997, Dia Mundial do Meio Ambiente, juntamente com seis canoístas mineiros, descemos em caiaques o ribeirão Arrudas no centro de Belo Horizonte. No dia seguinte, todos os jornais da capital estampavam na primeira página aqueles seres vestidos com roupas especiais de neoprene e máscaras contra gases parecendo robôs remando no poluído curso d’água que deságua no rio das Velhas.

Ebehard Woosi Ross, brasileiro-alemão e Cássia, residentes em Divinópolis e Carmo da Mata, são campeões em remar nos rios e lagoas da região. Certa vez remando em Inhumas, um jacaré deu tamanha rabanada em meio aos juncos que o caiaque capotou-se, sem contar o susto. O Gilberto Varanda Jr. (o Varanda pai também é ambientalista de carteirinha) era outro canoísta a vencer as corredeiras, além de fazer todos os trabalhos digitais, registros e memória dos planos e eventos, além da Simone. Quem viu tudo isto foi o Flávio Garcia que já acompanhou o doutor Sato coletando peixes pelas lagoas marginais. Nessa época disputamos vários torneios em Lavras no Funil do rio Grande, no rio das Mortes em Barbacena (Campolide), no Aiuruoca em São Vicente de Minas, no Pomba em Cataguases, no Uberabinha em Uberlândia, aqui no São Francisco, no São Miguel, na USP e outros. O Rogério Victor chegou a classificar-se nas preliminares para os Jogos Olímpicos em Atlanta. Ia me esquecendo, coragem e fera mesmo no caiaque é o Adriano Duarte, mas falta-lhe técnica.

Flávio Pereira e Marianne vivem no Rio e vem aqui de vez em quando; foram eles que me falaram pela primeira vez da maravilha em viajar nos péniches ou penichétes pelos canais da França, passando por eclusas, à velocidade média de 5 km. Uma bela descrição do cânion de São Leão pode ser lida no “Informativo SBE” n° 77, set-out, 1999, em artigo do espeleólogo José Cláudio Faraco, quando descemos em blitz ecológica com a 2ª PM Flor até Iguatama, e os policiais florestais até Três Marias.

Antes de tudo são as pessoas do lugar e o seu imaginário que salvam os rios, não a técnica pura e simples e suas leis saindo das gavetas como penas ou dentes de leão ao vento. A CBCa e Femic com o gaúcho João Tomasini e o Sérgio Grossi à frente, divulga por todo o Brasil o mundo maravilhoso da canoagem, em programa conjunto com o Ministério do Esporte e Turismo, chamado “Projeto Escola de Canoagem”. O rio São Francisco merece um clube desses, em cada cidade ribeirinha. Naturalmente quadros técnicos e investimentos em pessoas e equipamentos são necessários para concretizar tudo isto.

Derzu Uzala
Amarildo “Pezão” de Melo (ele só anda descalço e tem os pés descomunais), iguatamense, 33 anos, conhece a natureza tal como ela é, sem enfeites e remendos. É um naturalista nato, lembram-se do filme Derzu Uzala, de Akira Kirozawa? Autodidata, passa as tardes, domingos e feriados esquisando na biblioteca pública e em casa. É vegetariano, cita filósofos e cientistas, às vezes dentro do contexto, às vezes fora, como qualquer mortal. De manhã é ordenhador de vacas; fazendo a pé o percurso, conhece os caminhos e atalhos. Certa vez perguntou-me se eu conhecia caquitos, eu disse que não, pedindo-lhe para descrever a planta de nome tão estranho. Ele tomou do lápis e a desenhou, e só então percebi tratar-se de cáctos. Doutra feita ele pesquisava sobre as fontes alternativas de energia, e perguntoume sobre o que eu achava da energia holística. Como não entendi, ele disse que era a do vento, e então descobri que era a energia eólica. Suas ciências preferidas são a física, a química, a filosofia e as ciências naturais. Ele sabe onde estão os últimos capões onde vivem os últimos jacus (Penelope sp, Mer.) do município. Conhece um a um os criadores de pássaros em gaiolas na cidade e nas fazendas e as espécies presas, mas teme represálias se denunciá-los, e aqueles que se dedicam a um dos mais torpes espetáculos: a briga de galos à margem da lei, em locais obscuros. Ele me pergunta por que tudo isto ainda ocorre, tantas leis, eu respondo que não sei lhe responder. Pelos caminhos ele encontra aves e animais mortos, dissecando-os em casa para ver o que comem. Mas atualmente só encontra sementes de braquiária (um capim africano) nas moelas; vinte anos atrás havia de tudo. Certa vez deparou-se com um filhote de macaco morto baleado, e junto a ele sua mãe velando-o; ela raspava com um cavaco o sangue ressequido do filho, na tentativa de reanimá-lo: era visível nos seus olhos a tristeza.
A força de uma lenda
Já passados alguns anos, acrescento a esses depoimentos sempre atuais, considerações sobre o imaginário popular, válidas para qualquer latitude e a propósito da longa descida que estamos prestes a iniciar: daqui a mil anos ela poderá ter se tornado uma lenda sãofranciscana, tão viva quanto aquela do caminho jacobeu ou de Santiago; os grifos são meus, pelo risco de se grafar incorretamente os dois termos que dão estrutura à citação:

“Não há povo nem região que não conte com seu próprio acervo de lendas. São as lendas que abordam a outra realidade do coletivo em cujo seio nasceram, que nos mostram o sentido de sua gente e o núcleo mais puro de suas crenças, de seus afãs e de suas esperanças, de seus temores e de seus convencimentos anagógicos, essas lendas que não há razão que possa separá-las das evidências numinosas que criamos em nosso caminho através de nossas vidas. Com maior ou menor insistência, essas lendas nos transmitem o espírito de onde nasceram e a essência da personalidade coletiva que as criou. Refletem nossas esperanças de imortalidade, as raízes de nossas dependências e nossa repulsa à desaparição” (Atienza, op. cit.).

Aqui em Iguatama os moradores tem o rio estreito colado à cidade como escudo e origem do topônimo, e dele também deriva o nome indígena da minha pequena pousada (Terras do Rio Curvo), um casarão oriundo de fins do século XIX (seu destino final deverá ser a sede da Fundação Cultural Divina Vieira, ainda um projeto), que venho restaurando desde novembro de 1990 e cujas obras se encontram ainda pelo meio. É uma obra polêmica porque ninguém quer saber de restaurar nada, mas vou em frente, motivado por uma crença de que existem arcas de moedas de ouro e ouro em pó enterradas sob o pesado soalho: e assim, sempre escavando, escavando, debaixo dos maciços baldrames amparados em grossos esteios, ganhei outro piso no sub-solo; foram sessenta caminhões de terra (ainda falta  outro tanto), eu próprio escavei pelo menos a metade, em sete distintos pontos de desaterro. É que eu fazia uma “escavação arqueológica” sob o casarão e arredores, recolhendo restos enterrados e estratificados de pelo menos 120 anos de louças quebradas (inglesas e chinesas, vinham do Rio e S. J. del Rei pela ferrovia), estribos e fivelas, argolas, ferraduras, bridões, vidros de lombrigueiros e xaropes, botões, lixos da época, arames, etc. Uma peça rara que descobri foi uma pataca de 40 réis, mas falta ainda a arca de ouro e muita terra para escavar; um dia chegarei a ela.

Neste espaço o mano Vasco (é um gentleman, quem devia ter levado o aposto Gentil no nome é ele) abriu um restaurante e um bar-pub rústico de nome Porto das Barcas, que durou um curto período, e agitou tanto a cidade que teve que ser fechado... É que não foi possível conciliar com seus leilões de gado. Aí Eduardo Paulinelli preparava as melhores traíras sem espinho do vale, contava casos e viajava à procura da origem do topônimo Iguatama, que segundo ele deriva de Sidarta Gautama. E que peixe frito sem cachaça não é peixe, ou ao contrário, cachaça sem peixe frito não é cachaça. E o Fausto e o José André provocavam entre risos que peregrino sem cajado não é peregrino “É, Lico Paiva, tem que ter o cajado!” Lico, o pescador, é seu alter ego. Mas antes já haviam passado por lá arrendando o bar o Wiliam Protásio e o Marcus Vinicius Kiko, que de quebra agregaram ao recinto um mural egípcio retratando Hórus em oferenda a Rá, saída dos pincéis de Abelardo Carvalho. Tudo isto está lá, e ainda hoje é possível ler em um quadro na parede estas trovas:

Quando as coisas vão mal e não
querem sair bem
apesar de fazeres tudo sem tirar
nem pôr,
quando a vida parece negra como
a noite que vem,
o pub é o teu único amor.
De At Swim – Two birds, de Flann O’Brien, irlandês.


Quando o dinheiro é curto e
difícil de arranjar
e teu cavalo também só te trás dor,
quando só tens dívidas a pagar,
o pub é o teu único amor.
De um bebum irlandês.


Mais:
Aqui ninguém bebe sozinho e o
burburinho das conversas se
assemelha ao ruído do mar numa
praia distante.
Do pub Doheny & Nesbit, 5 St, Lower
Bagot, Dublin, Irlanda.
O fígado faz muito mal à bebida.
(Do bar-pub Porto das Barcas).



Devemos voltar à expedição, estamos trazendo nas costas um barco de 16 toneladas do Maranhão, senão corremos o risco de nos embrenhar cada vez mais nos labirintos da Mata de Pains, das cabeceiras e dos pubs irlandeses e iguatamenses(!), e nos perder, deixando o rio principal e indo pelos afluentes. Mas voltaremos a eles sempre, pois são a razão de ser do meu rio. Aquele que não conhece os afluentes navegará pelo rio principal sem jamais conhecê-lo. Meu Deus é o das pequenas coisas, dos pequenos afluentes, com a devida licença da autora indiana.

Iguatama, Natal de 2001.









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3) A Mata de Pains




Mata de Pains e Cabeceiras do São Francisco: 
Ecossistemas sob Tensão Antrópica

Introdução 


Este pequeno e rápido estudo tem como meta propor a criação do Parque Estadual da Mata de Pains – PEMP, uma região com um rico e raro ecossistema em vias de extinção, cuja área de abrangência ocupará terras dos municípios de Pains, Iguatama e Arcos, em área contígua limítrofe. Na esteira do parque está prevista a criação da Área de Proteção Ambiental - APA das Sete Cidades-Mãe do São Francisco ou das Cabeceiras, que é contígua e está a montante da Mata de Pains, que ocupará a superfície total dos três municípios acima citados, mais Córrego Fundo, Doresópolis, Piumhi, Vargem Bonita, São Roque de Minas, Medeiros e Bambuí. Nesses dez municípios estão as nascentes do São Francisco e seus primeiros afluentes que são os rios Samburá, Santo Antônio, Piumhi, Araras, Ribeirão dos Patos, São Miguel, Bambuí e Ajudas. Prevê ainda o incentivo aos proprietários rurais para destinarem matas ciliares e de topo para Reservas Particulares do Patrimônio Natural - RPPNs. Em junho de 1998 o documento foi encaminhado ao Secretário de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais- SEMAD, José Carlos Carvalho, que em entrevista a imprensa à época mostrou-se favorável à idéia, afirmando que “para viabilizar a proteção da Mata de Pains poderão ser utilizados recursos originários de taxas de utilização de recursos florestais e parcerias com a iniciativa privada”. Mais recentemente afirmou que caso continuasse no governo de Minas Gerais, as unidades de conservação seriam implantadas. Em setembro daquele ano sobrevoamos em helicóptero junto com o IEF – Instituto Estadual de Florestas-MG, toda a região proposta. Estudos de biodiversidade foram realizados pelo setor de zoneamento/unidades de conservação daquele instituto. Continuamos empenhados no projeto até a solução final. Informações e ações posteriores ao ano de 1998 estão inseridas no escopo do trabalho. Objetivo Criação do Parque Estadual da Mata de Pains, com área contígua abrangendo três municípios limítrofes com previsão de uma área superior a 5.000 (cinco mil) hectares. Outras formas de proteção ambiental permanentes como APA e RPPNs são previstas no projeto, devendo a APA abranger a área total dos municípios citados. A implantação dos projetos beneficiarão a qualidade de vida da população e a preservação ambiental de cerca de 20% da Mata de Pains que tem área superior a 500 km2 (50.000 hectares) e das cabeceiras do rio São Francisco. Isto representa cerca de 10.000 hectares que estarão preservados em áreas de classe-8, não agricultáveis, constituídos de maciços calcários. Se se considerar os municípios do parque proposto e a APA das Sete Cidades-Mãe ou das Cabeceiras, estarão interligados dois parques, um estadual com outro nacional, o da Canastra., incluindo o canyon do São Leão no rio São Francisco e daí à Casca d’Anta, onde tem início o parque nacional. A área total será contínua, interligando tudo ao parque Nacional da Serra da Canastra que situa-se no topo ou platô. Em paralelo haverá o crescimento e desenvolvimento sustentado previsto na Agenda 21/Rio 92. Isto trará benefícios diretos a uma população de 50.275 habitantes segundo o censo 2000/IBGE nos três municípios e um total de 117.264 habitantes, idem, na microrregião contígua da APA das Sete Cidades-Mãe. A preservação de um raro ecossistema para as atuais e futuras gerações, com grande potencial bio-fármaco-ecoturístico somados a aspectos também peculiares geológicos, pedológicos, espeleológicos, arqueológicos, hídricos e da flora e fauna em extinção, são fatores adicionais e indispensáveis hoje em qualquer agenda de planejamento e crescimento econômico. Prevê-se ainda o soerguimento da economia rural, assim como o redirecionamento industrial e urbano de cidades, distritos e vilas, além de incentivos fiscais para proteção das velhas fazendas da região, incorporando-as ao turismo ecológico. Um programa desta natureza existe em Portugal e Espanha, onde o governo adquire, restaura e adapta velhos castelos e casarões para hospedagem ecoturística no estilo da época, os paradores.


(em breve texto completo)