O Caminho do São Francisco





O Caminho do São Francisco está sendo construído por aventureiros e poetas. A eles se juntaram pesquisadores, canoístas, espeleólogos, pescadores, músicos, jornalistas, religiosos, educadores, escritores, artistas e ambientalistas de toda ordem. Enfim, por todos aqueles que se preocupam com o rio da unidade nacional. Mas principalmente por poetas e aventureiros. Eles o percorrem em diferentes barcos como caiaques, canoas e barcos de maior porte. E até mesmo a pé, como fez o bispo dom Luiz Flavio Cappio, de 1992 a 1993. Outros preferem a bicicleta. Cavalgadas são feitas nas sub-bacias mineiras desde as cabeceiras.

Antes de tudo, o caminho visa implantar uma rota ecoturística fluvial desde as cabeceiras do rio São Francisco até a foz no oceano Atlântico. Sua extensão total da nascente histórica na serra da Canastra ao oceano é de 2.814km, e desde as vertentes do rio Samburá, a nascente geográfica ou verdadeira, é de 2.863km.

Alguns trechos não navegáveis devido a corredeiras, cachoeiras e barragens, só podem ser vencidos em caiaques e canoas ou percorridos em terra. Estes trechos ou estirões constituem uma desafiante viagem aos mais aventureiros, que por si mesmos descem o Velho Chico ou Nilo Brasileiro, como também é conhecido. O primeiro trecho vai desde as nascentes na serra da Canastra em São Roque de Minas e vertentes do Samburá em Medeiros, até Iguatama (170km), e só permite descidas em caiaques e pequenos barcos, passando por Vargem Bonita, pela Usina, pelo cânion de São Leão, que tem 35km de extensão, e lagoa de Inhumas.

O segundo trecho (250km) permite a navegação em barco de maior porte como chalanas, tem início em Iguatama passando nas imediações de Lagoa da Prata, Luz, Dores do Indaiá, Moema, Bom Despacho, Martinho Campos, até a ponte Pompeu-Abaeté. Em 2001 a Expedição Américo Vespúcio percorreu este trecho estreito de corredeiras a bordo do barco PIPES. Após 32 dias de viagem esta expedição pioneira chegou à foz em Piaçabuçu/Alagoas e Farol do Cabeço/Sergipe, comemorando os 500 anos da descoberta do rio e definindo a rota fluvial ecoturística desde as cabeceiras.

O terceiro trecho abrange o lago de Três Marias, com comprimento de 120km e inúmeras enseadas, vai desde esta cidade até o remanso em Curral Velho, passando por Morada Nova de Minas. Um sub-trecho encachoeirado vai de Três Marias até Pirapora e Buritizeiro.

O quarto estirão tem início em Pirapora, seguindo a rota navegável tradicional de 1.371km: Barra do Guaicuí, Ibiaí, Ponto Chique, São Romão, São Francisco, Pedras de Maria da Cruz, Januária, Matias Cardoso, Itacarambi, Manga (MG), até chegar em Carinhanha e Malhada, as primeiras cidades baianas. A viagem fluvial prossegue até Bom Jesus da Lapa, Sítio do Mato, Paratinga, Ibotirama, Morpará, Barra, Xique Xique, Sobradinho e Petrolina-Juazeiro. A navegação convencional opera barcos de turismo e de cargas entre Pirapora e Juazeiro/Petrolina.

A seguir vem outro trecho encachoeirado passando por Santa Maria da Boa Vista, Orocó, Curaçá, Rodelas, Jatobá, e após Paulo Afonso e uma série de barragens, vem Canindé do São Francisco e outras, Propriá, Penedo, Piranhas, Piaçabuçu, Brejo Grande e daí ao mar. De Canindé até a foz no oceano Atlântico são 214km navegáveis.

Abençoado por São Francisco, o santo ecológico, este caminho de aventuras é também uma estimulante peregrinação e busca espiritual, como relatam os aventureiros e poetas que já o percorreram:

na “Viagem com o rio São Francisco – De Casca d’Danta a vila risonha de Santo Antônio da Manga e São Romão e dali ao oceano Atlântico”, o poeta mineiro Álvaro Andrade Garcia desceu o rio a bordo de barcos e rebocadores (1987);

um grupo de aventureiros liderado por Maria ‘Cida’ Bessa, de Santo Inácio-BA, subiu o rio contra a corrente de Juazeiro até Pirapora/Buritizeiro, também imbuídos de fins ecológicos (1991);

frei Luís Cappio, da Barra-BA, percorreu a pé ao longo do rio desde as cabeceiras até a foz em missão apostólica e de resgate ecológico e cultural; rezou missas e pregou pela revitalização do rio e das gentes (Cappio, 1993), e Unger (2001);

expedições de descida de canoagem por corredeiras e cânions desde os municípios de São Roque e Iguatama-MG, até Três Marias e Pirapora, num dos primeiros gritos de alerta a favor das matas ciliares e das águas limpas, foram percorridas e descritas por Vieira (Aica/Femic, 1994) e Faraco (SBE/PMFlor, 1999);

intelectuais como Ziraldo, Roberto Drumond, Olavo Romano e Tiago de Melo, desceram o São Francisco, em uma gaiola da Cia de Navegação do São Francisco, desde Pirapora até Petrolina-Juazeiro e daí a Paulo Afonso e a foz (1999);

a “Expedição Sagarana”, da Sociedade Brasileira de Espeleologia- SBE, organizada pelo Espéleo Grupo Monte Sião-MG, percorreu a rota da Coluna Prestes desde o sul até o nordeste, a Bolívia e Paraguai (SBE, 1996, 1999);

a “Viagem pictórica pelo vale do São Francisco”, de Otoniel Fernandes, retratou o rio em pinturas (2001);

a “Expedição Caminho das Águas”, organizada pela Universidade de Brasília-UnB e a Secretaria de Recursos Hídricos-SRH/MMA, desceu o rio São Francisco de Pirapora até Juazeiro, e daí até o mar por terra (2000);

a “Expedição Engenheiro Halfeld” concebida pela Federaminas, partiu de Pirapora até Juazeiro-Petrolina e daí a Paulo Afonso e a foz visando tornar sítios e paisagens como patrimônio cultural e natural/Unesco (outubro/2001);

a “Expedição Fluvial Américo Vespúcio – 3.000 km de Iguatama-MG até o oceano Atlântico”, idealizada por Geraldo G. Vieira (2001) partiu de São Roque de Minas até Iguatama por terra, e daí até o mar, a bordo do barco PIPES, com traslados do barco por terra; esta expedição agregou uma rota fluvial de cerca de 400 km no alto Alto São Francisco até então tida como não navegável a montante de Três Marias (aqui interceptada pela falta de eclusa), propondo a rota hidroviária turística: Iguatama-Lagoa da Prata-ponte Pompéu/Abaeté; lago de Três Marias; Pirapora-Juazeiro; Canindé-Penedo-Piaçabuçu (nov/dez/2001);

a “Expedição Manuelzão” da UFMG, desceu 750km do rio das Velhas de Sabará a Barra do Guaicuí em 2003 com fins ambientais, revivendo a saga do viajante inglês R. Burton que desceu de Sabará até o Atlântico no barco-ajoujo “Elisa”; o Comitê da Bacia do Velhas tem como lema “navegar, pescar e nadar” nesse rio dentro de seis anos;

o projeto “São Francisco, um rio de música”, criação do pianista Artur Moreira Lima percorreu o vale em 2003 desde a serra da Canastra em São Roque de Minas até Penedo e a foz, em caminhão adaptado como palco;

o “Caminho da Estrada Real”, trilhado por Tiradentes e os inconfidentes, desde Parati-Ouro Preto-Serro-Diamantina, com 1.410 km, foi instituído pelo governo do estado de Minas Gerais em 2003;

o “Caminho da Fé”, com 415 km, surgiu em 2003, ligando Tambaú/SP a Aparecida, cruzando o Sul de Minas.

O "Caminho da Luz" faz o roteiro entre Tombos e Alto Caparaó em Minas Gerais, e foi criado em 2001.

Como se vê nem todas as rotas ou caminhos estão na bacia do São Francisco, mas os caminhantes ou peregrinos sabem que as rotas ligam-se umas às outras. As rotas fluviais e terrestres devem estar interligadas, além das rotas em construção Caminhos Antigos das Minas à Bahia, coordenadas pelos mineiros Américo Antunes e Denise Menezes, do Instituto Terrazul, e das baianas coordenadas por Pedro Ivo e Kabá Gaudenzi, além de outros como o cineastra paulista Mário Kuperman.

Dos itinerários percorridos pelos naturalistas europeus e outros num extremo, e no outro por Lampião, Padre Cícero, a coluna Prestes, podem surgir boas trilhas em meio à exótica paisagem das serranias, do cerrado, da caatinga: assim, Nova Jerusalém por exemplo, pode ser um fabuloso portal de entrada para o turismo religioso com destino a Juazeiro do Norte. A Coluna Prestes percorreu um longo percurso no Nordeste.