EXPEDIÇÃO AMÉRICO VESPÚCIO 2005_NOTÍCIAS DA IMPRENSA

GILBUÉS: O MUNICÍPIO QUE VIROU PÓ



Para uma região tão exótica, virar Parque Nacional do Deserto
pode ser uma das últimas táboas de salvação

Tânia Martins, de Gilbués-PI
28 de Setembro de 2005

Outrora cantada em verso pelo poeta piauiense Celso Pinheiro [Gilbués! Gilbués! óh terra alvissareira...], hoje a cidade não tem mais nada de poesia. Pode virar pó. Situada no sul do Piauí, a 797km de Teresina, Gilbués tem um terço da população dos anos 60: 12 mil habitantes. Tudo começou com a febre do diamante, somada à secular agricultura de subsistência. Há 40 anos, ali se desenvolveu uma mineração desordenada. Terminado o ciclo, favorecido ainda por uma desertificação de origem geológica, restaram grandes buracos que aos poucos se transformaram em voçorocas, que foram, lentamente, avançando e engolindo a vegetação. Tudo virou pó! Hoje é um grande deserto vermelho. Técnicos de vários órgãos governamentais (ANA, Codevasf, IICA, Geverno Alemão-GTZ, Universidades, Ministérios da Agricultura, MMA e ONGs) passaram quatro dias na região. Eles acabam de voltar a Brasília. Seus estudos podem acenar com um futuro melhor. Podem, até, resgatar Gilbués pelo turismo como, novamente, a terra alvissareira do poeta Celso Pinheiro. “A criação de um Parque Nacional do Deserto de Gilbués é uma alternativa que pode gerar emprego, renda e esperança nos sete municípios”, afirma o ambientalista Geraldo Gentil Vieira.

"Gilbués! Gilbués! ó terra alvissare ira,
Como uma flor sonhando aos ósculos do clima!
Que ternura, que amor, que glória é que te anima, Ó soberba porçã
o da Pátria Brasileira?!...”

Primeira estrofe do soneto “Gilbués” do poeta piauiense Celso Pinheiro (*1887 +1950)

Mais de 70% do município de 3.885km², composto de vegetação de Caatinga e Cerrado, sofrem os efeitos da desertificação. Segundo dados da Fundação Agente, uma Ong que estuda o problema, além de Gilbués o fenômeno já se estendeu por mais outros sete municípios do entorno.
Para o agrônomo da Fundação Agente e doutor em solo, Adeodato Salviano, mais de 769 mil hectares de terras da região estão completamente desertificadas. “E tem mais - explica Adeodato - além da atividade do garimpo, as variações climáticas, atividade agropastoril e a pobreza do solo foram também responsáveis pelo processo de erosão”.
Em Vaqueta, povoado a 10km de Gilbués, são tantos as voçorocas que a vista não alcança o fim. É lá que mora o agricultor Manuel Cirqueira, 68 anos, proprietário de cem hectares de terra, lugar de onde ainda consegue tirar o sustento de toda a família de 30 pessoas entre filhos, genros e netos. Ele é um dos poucos moradores da localidade que resiste. Continua no local mesmo admitindo que já faz muitos anos que sua família passa privações. "Começa a faltar lugar para o plantio. Imagina que dos 100 hectares que eu tinha, mais de 70 desapareceram. Viraram deserto". E o agricultor Manuel Cirqueira põe tristeza na voz quando fala da chuva, sempre bendita e esperada em qualquer terra do Nordeste: "Aqui, quando começa a chover é triste de ver a água escorrendo. A água abre grandes buracos por todos os lados. A chuva vai lavando a terra e abrindo mais voçorocas".
O êxodo rural é grande. Todos tomam o caminho das cidades e buscam outros lugares para plantar. "Por aqui já não existe quase ninguém, todos vão embora. Eu não vou porque não tenho mais idade. Se é para passar fome na cidade, fico mesmo aqui", confessa Cirqueira.
"Não há perspectiva de sobrevivência na cidade que estagnou há muitas décadas", diz Ivete Oliveira, da Fundação SOS Gilbués.

Desertificação no Piauí
Pela gravidade do problema e pela extensão do fenômeno, o engenheiro agrônomo Geraldo Gentil acha que todo programa de combate à desertificação deve estar centrado nas comunidades atingidas.
A SOS Gilbués foi instalada há quatro anos com o objetivo de realizar um forte trabalho para conscientizar a população que se nega a reconhecer o grave problema. Hoje são 250 jovens voluntários.


Foto: Airton Porto
Ivete Oliveira explica que o processo de desertificação foi lento. Mas constante. E todas as ações para impedir a degradação foram lentas e isoladas.



Foto: Geraldo Gentil Vieira
De chapéu, à esquerda, o prof. Milcíades Gadelha, do Núcleo de Desertificação de Gilbués,
e, mostrando as raízes expostas pela voçoroca, o agrônomo Adeodato Salviano.

Para Adeodato, doutor em solo e líder da Fundação Agente, mais de 769 mil hectares de terras da região estão completamente desertificados. Hoje, 70% do município de Gilbués sofrem os efeitos da desertificação.

Foto: Airton Porto
Tudo começou com o descontrole e a agressiva garimpagem de diamantes. Sem uma gestão ambiental e a falta de fiscalização, outros fatores, além do garimpo, foram responsáveis pelo processo de erosão: as variações geológicas e climáticas, atividade agropastoril e a pobreza do solo.

Hoje, segundo o professor Waldemar Rodrigues, da Universidade Federal do Piauí, Gilbués possui a maior área contínua desertificada do País.
Há 10 anos, por exemplo, o Instituto Desert, uma outra Ong sediada em Teresina, iniciou um estudo na área. Tinha o compromisso de iniciar a recuperação do solo mas nada aconteceu. "Eles chegaram, construíram um prédio na cidade, que seria a sede, anunciaram em jornais que Gilbués iria desaparecer, mas quem desapareceu foram eles, deixando um trauma nos moradores", desabafa Ivete Oliveira.
O trauma a que se refere a ambientalista é o temor que as famílias têm de perderem tudo que construíram ao longo de décadas. Falar em desertificação por lá é querer arrumar inimigos. "Mesmo eles vendo que as voçorocas avançam e que já estão chegando na igreja, no cemitério e já está rachando paredes de muitas casas, não admitem falar sobre o assunto. Daí a importância de nosso trabalho", revela a líder da Fundação SOS Gilbués. Ivete Oliveira é de Brasília e mora na cidade há cinco anos.
Só recentemente o governo do Estado iniciou uma experiência de recuperação do solo em uma área de 50 hectares que batizaram de Núcleo de Pesquisa e Recuperação de Áreas Degradadas. De acordo com o diretor do Núcleo, Milcíades Gadelha, foram adotadas técnicas simples que consiste em reter a água em microbacias e na plantação de leguminosas para acabar com o processo de erosão. Também iniciaram o plantio em curva de nível e plantaram crotalária, feijão guandu e caupi. Apesar da experiência ser um sucesso, o trabalho parou por falta de verbas. "Estamos esperando a liberação de recursos do Ministério do Meio Ambiente que deve alocar verbas para o Programa Nacional de Combate a Desertificação”, argumenta Milcíades.

Técnicos vão pedir apoio do FNMA
O município de Gilbués é considerado o núcleo da desertificação no Nordeste. A degradação do solo já atinge, além de Gilbués, mais seis municípios da região. São eles: São Gonçalo do Gurguéia, Corrente, Monte Alegre do Piauí, Barreiras do Piauí, Curimatá, Redenção do Gurguéia. Os seis municípios juntos somam 6 mil km² ou 600 mil hectares.Todos eles travam uma luta silenciosa contra o tempo. Nos últimos anos, a erosão que transformou a paisagem dos arredores das cidades tem avançado em direção à parte urbana, ameaçando casas, ruas e rodovias.
Para o professor Adeodato Salviano, não há dúvida que a atividade humana foi a maior responsável pelo degradação do solo em Gilbués. Mesmo assim, há pouco mais de dois anos, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente concedeu licença para uma empresa que, segundo os moradores da cidade é de origem canadense - embora ninguém saiba o nome - realizar pesquisas para futura exploração de diamante, que segunda a população, ainda existe muito na região. A ambientalista Ivete Oliveira explica que ninguém sabe o nome da empresa e os donos nunca aparecem. “Aqui só aparecem os operários e as dragas, todos sem identificação”, garante.
O ano passado uma das dragas da empresa deixou vazar óleo diesel no riacho Boqueirão, causando um desastre ecológico jamais visto naquelas bandas. Indignados, os vereadores de Gilbués, através da Câmara Municipal, denunciaram formalmente os responsáveis pela empresa os pernambucanos, Heraldo Sá Martins e Fernando Uchôa de Moura, ao Ministério Público que abriu um processo para apurar as responsabilidades. A atividade da empresa se estende aos povoados Serra Dourada, Saudade, Fazenda Aleixo, Guianinha, Boqueirão do Pêssego e Bom Jardim.
Segundo os ambientalistas da Fundação SOS Gilbués, sabe-se que, mascarados por pesquisas, há anos as dragas da empresa vem praticando o garimpo de forma ilegal. E nenhuma providência foi tomada.
Quanto ao andamento do processo na Curadoria do Meio Ambiente, ninguém sabe como se encontra. A Curadora do Meio Ambiente do Estado, promotora Rita Moreira e Sousa, alegando acúmulo de trabalho nem pode receber nossa reportagem.
Alternativas
A solução colocada por um dos técnicos que visitou a área é agronômica e agroflorestal: “Ao lado das interessantes experiências estaduais e locais, poderão ser apresentadas ao Fundo Nacional do Meio Ambiente propostas para hidrossemeadura de leguminosas arbóreas e gramíneas nativas e exóticas, por via aérea, atingindo grandes extensões”, salienta o agrônomo da Codevasf Geraldo Gentil Vieira. E explica: “Desse coquetel de sementes, lançadas por avião agrícola, aquelas que sobreviverem e conseguirem produzir sementes em um ano hidrológico, serão consideradas mais aptas à região. Assim, árvores e arbustos como a algaroba, leucena, guandu,gonçalo-alves e aroreira, irão concorrer em condições naturais. Até mesmo a casuarina, através de mudas e entre paliçadas nas valas, com a vantagem de fixar nitrogênio no solo”. Segundo ele, o turismo sustentado é outro potencial inexplorado.
Para as lideranças locais, a esperança é que o Programa Nacional de Desertificação saia definitivamente do papel. "Não adianta mais tantos congressos e reuniões em Brasília, Washington ou Teresina. É aqui que está o problema. A vida não pode continuar se desmilinguindo em promessas. Até a esperança já está virando pó", diz desanimada Ivete Oliveira, da SOS Gilbués, que se apega numa última centelha de fé que remasce da visita que os 25 técnicos fizeram, agora em setembro, a Gilbués.
Fonte: FOLHA DO MEIO AMBIENTE


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SÃO FRANCISCO TEM "NOVA" E DESPROTEGIDA NASCENTE 

CAMINHO DAS ÁGUAS

Rio aumenta 49 km com a descoberta da nova origem


PAULO PEIXOTO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELO HORIZONTE


O rio São Francisco cresceu em extensão. Desde 2002, passou a ter 2.863,3 km da nascente, em Minas Gerais, até a foz. O que determinou o aumento de 49 km foi a descoberta da "nova" nascente. Por quase dois séculos, a nascente tida como principal sempre esteve dentro do Parque Nacional da Serra da Canastra. Não está mais.
A "nascente geográfica" do São Francisco agora é o rio Samburá, que nasce no município mineiro de Medeiros, vizinho à Serra da Canastra. Essa descoberta fez aumentar a mobilização de ambientalistas, porque a nascente está sem proteção, exposta ao desmatamento e à ação de pecuaristas, agricultores e mineradores.
A preocupação de ambientalistas e técnicos são as plantações de soja e batata na região da nascente, que usam agrotóxicos, desmatam e provocam erosão. Por isso eles defendem a criação de uma Área de Proteção Ambiental em Medeiros. Outra sugestão é que a localidade seja incorporada ao parque da Serra da Canastra, que abriga e protege a "nascente histórica", em São Roque de Minas.
O governo estuda a preservação da nascente, mas propõe outra alternativa, dentro de um projeto de revitalização e preservação de toda a extensão do São Francisco.
A "nova" nascente
A "nova" nascente foi reconhecida a partir de estudos técnicos da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales dos São Francisco e do Parnaíba).
Esses estudos tiveram início em 2001 com a expedição Américo Vespúcio, organizada pelo engenheiro agrônomo Geraldo Gentil Vieira, da Codevasf. Em 2002, novas pesquisas foram feitas nas nascentes dos rios, usando levantamentos técnicos no local e equipamentos de geoprocessamento. Os resultados confirmaram que o rio Samburá é o São Francisco. O braço que desce da Serra da Canastra não é a principal nascente.
Comparados os dois, o Samburá tem maior bacia hidrográfica, maior vazão e maior calha. É ainda mais profundo. São essas características que definem qual é o trecho principal de um rio.
Por isso o rio cresceu 49 quilômetros: a diferença entre a distância do trecho do Samburá até a confluência com o braço do rio que vem da serra (147 km) e deste até o mesmo ponto (98 km).
Em 2004, a ANA (Agência Nacional de águas) publicou resolução ratificando a portaria do extinto Dnaee (Departamento Nacional de águas e Energia Elétrica) sobre essa questão. Diz a resolução: "Em cada confluência será considerado curso d"água principal aquele cuja bacia hidrográfica tiver a maior área de drenagem".
Uma questão ainda está pendente. Um rio é federal, caso do São Francisco, ou estadual, caso do Samburá. Mas, pela legislação, o Samburá deve ser federal.
Para Geraldo Vieira, da Codevasf, e ambientalistas, como André Picardi, do conselho consultivo do parque da Canastra, a proteção da nascente deve ser priorizada, com a criação de uma unidade de conservação que faça do turismo ecológico uma alternativa econômica para a região.

Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO (SP), BRASIL, 13/11/2005


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MUDANÇA NO MAPA


A nascente descoberta pelos pesquisadores fica em uma fazenda fora da Serra da Canastra. O rio que brota no local ganhou o nome de Samburá, berço do velho Chico para a CODEVASP, Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba.

Segundo a pesquisa, feita em 2002, a explicação está no encontro dos dois rios.
Apesar de ser considerado afluente, o Samburá é maior que o São Francisco. “É um rio maior, por isso ela seria a nascente do São Francisco em detrimento da Serra da Canastra”, afirma Luiz Carlos de Farias, presidente da CODEVASP.

A prioridade dos ambientalistas agora é preservar nascente do rio Samburá, que está ameaçada pela expansão agrícola. Ao lado, há plantações de soja e batata.
Para impedir que a devastação continue, a intenção é transformar a região em uma área de preservação ambiental. “O uso de agrotóxicos, que infiltra na camada do solo, vai estar comprometendo o solo e a qualidade das águas também”, explica Gislaine Nunes, ambientalista.

Mas para o local se tornar em área de preservação é preciso o consenso no resultado da pesquisa. O Ibama, por exemplo, discorda e continua considerando nascente da Serra da Canastra como a única do Rio São Francisco. “Ainda não recebemos informação caracterizando essa área como a nova nascente do Rio São Francisco. Depende do IBGE, através da Agencia Nacional de Águas, para decretar ou conceituar esse ponto como a nova nascente”, aponta Vicente de Paula Leite, chefe do IBAMA.

Em um ofício, o IGBE comunica à CODEVASP que as informações da pesquisa estão restritas à representação cartográfica, o que fornece apenas uma visão parcial do problema. E que para concordar com a pesquisa, também precisaria fazer levantamento de campo.

Quarenta e nove quilômetros separam uma nascente da outra. E já existem sugestões para valorizar as duas. “Uma seria a nascente geográfica, que a ciência aponta como a do Rio São Francisco. A outra seria na nascente histórica, já desce o século XVII”, sugere o ambientalista André Picardi.

FONTE: JORNAL NACIONAL-Rede Globo 26 de novembro de 2005.


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