EXPEDIÇÃO AMÉRICO VESPÚCIO 2006_NOTÍCIAS DA IMPRENSA

O "PESCOÇO ESFOLADO" DO VELHO CHICO


22 de Setembro de 2006
Geraldo Gentil (*)


Era só o que faltava. Agora vem à tona esta história de usinas de açúcar na região das cabeceiras do rio São Francisco. Antes das usinas, evidentemente, vem a monocultura da cana-de-açúcar. Como se não bastasse a soja. Será que não sabem da comoção nacional para recuperar tão polêmico rio? Será que jamais ouviram falar em desenvolvimento sustentado? Que se indignem os brasileiros e abracem aqui o Velho Chico, o rio da integração nacional!

Até as belezas do canyion de São Leão, no rio Samburá, correm perigo

Monoculturas de cana-de-açúcar e soja nas nascentes do rio São Francisco

A notícia da descoberta da nova nascente do rio São Francisco nas vertentes do rio Samburá, dada pela Folha do Meio Ambiente, edição 141, é de grande importância para o município de Medeiros e toda a região. Por isso não podemos perder de vista o todo, isto é, a região das Dez Cidades Mães do São Francisco¹. Na verdade, tão importante como a nascente histórica na Serra da Canastra e a nascente geográfica em Medeiros, são as muitas outras nascentes que formam um grande rio. Vem daí os primeiros cursos d'água, as vertentes, serras e cânions, as lagoas, enfim, um relevo serrano com um ecossistema frágil, dominado por uma paisagem cênica.
Antes mesmo de apresentar uma proposta questionando as até então obscuras nascentes do Samburá, eu já havia apresentado três outras ao SpeleoBrazil2001², para criação de unidades de conservação na região. Estas moções foram publicadas nos anais do memorável evento, na revista técnico-científica Informe SBE³, na Carta de Iguatama 4 da expedição Américo Vespúcio e em relatos de bordo/CD Rom por participantes deste evento da Codevasf, Ibama, Embrapa, SRH/MMA, Sebrae e outros.
As moções aprovadas oficialmente no congresso foram endereçadas ao então presidente do Ibama, Hamilton Casara, e ao governador de Minas, Itamar Franco. Pedido principal: vamos tomar as decisões corretas para salvar e revitalizar o São Francisco:
- Criar a Área de Proteção Ambiental das Dez Cidades Mães do São Francisco, com área total de 7.200km², desde Arcos/Iguatama até as cabeceiras;
- Demarcar todo o Parque Nacional da Serra da Canastra com área de 210 mil hectares;
- Criar o Parque Estadual da Mata de Pains, em área de 6.000 hectares (60km²), cuja proposta também já fora encaminhada ao secretário do Meio Ambiente de Minas Gerais, José Carlos Carvalho, nos idos de 1998.
Mais recentemente o conceito conservacionista foi estendido às vertentes e contra-vertentes do Samburá para norte, visando protegê-las junto ao Parque da Canastra. Assim, um parque nacional estaria ligado a outro estadual por meio de uma APA regional. Corredores ecológicos sem conexão com unidades de conservação e "apinhas" são paliativos.
É o que ocorreu num seminário em Bambuí no dia 8 de maio de 2006, onde se aprovou uma pequena APA nas nascentes do Samburá. Um dos organizadores, Reginaldo P. Miguel, procurador da ANA, afirmou-me: "...a respeito das propostas enumeradas acima, elas devem ser melhor debatidas, do contrário não adianta a gente correr atrás sozinhos". Respondi-lhe que não sou pessimista, e que dezenas de audiências públicas deverão ser programadas nos municípios da cabeceira do Velho Chico que tem o privilégio de convergir as águas da bacia e tem direito de se manifestar. Estes municípios são palcos de uma desenfreada corrida de exploração dos recursos naturais, quais seja madeira remanescente, minerações e indústrias de transformação de calcário (incontáveis cavernas já se tornaram pó calcário agrícola, cimento e outros), de quartzito, além de diamantes que já se prevê.
Vale levar em conta que há 250 anos estão em equilíbrio as atividades ligadas à agricultura e pecuária tradicionais com suas raízes nas culturas do café, do milho, do feijão, do queijo "canastra" e laticínios em geral. Isso aliado à crescente atividade do turismo ecológico e hotéis-fazenda, a piscicultura em tanques e outras atividades sustentáveis.
Antes de se decretar qualquer unidade de conservação é preciso haver muito debate com as comunidades, e parcerias e transparência entre as instituições responsáveis estaduais e federais.  Tendo participado do Grupo de Trabalho para elaboração do Termo de Referência para o Zoneamento Ecológico-Econômico da bacia hidrográfica do rio São Francisco, que tem um prazo de 12 meses para conclusão pelo MMA, recomendei um zoom, um detalhamento cartográfico na região e audiências públicas. Há outras recomendações como o Programa de Revitalização da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco, o Comitê da Bacia Hidrográfica e a Defensoria do São Francisco em Divinópolis, o Ministério Público. Que as instâncias institucionais e jurídicas capazes de avaliar a gravidade e reordenar o planejamento desta bacia hidrográfica, venham a público para defender a preservação da área. Penso que a realização de um fórum nacional,  em Belo Horizonte , seria o ideal para se definir uma proposta séria, permanente e harmoniosa pela revitalização da bacia do São Francisco. Uma proposta consistente, a altura da importância geográfica e histórica daquela região, "o pescoço esfolado do Velho Chico". Incrível, mas ali já se planeja o plantio de cana-de-açúcar e a construção de usinas de açucar e de álcool. Sob o olhar das autoridades fiscalizadoras e gestoras de uma área tão singular, começa a nascer um grande canavial. As consequências serão terríveis. Mas ainda há tempo de evitar!

*Geraldo Gentil Vieira é Engenheiro agrônomo - CREA 14.141/D-MG e Especialista em Solos e Recuperação de Desertos


GLOSSÁRIO

1 - Dez Cidades Mães do São Francisco: São Roque de Minas, Vargem Bonita, Medeiros, Bambuí, Iguatama, Piumhi, Doresópolis, Pains, Córrego Fundo, Arcos, e onze com Tapiraí.

2 - SpeleoBrazil2001: evento ocorrido em Brasília em jul/2001, congregando o  XXVI Congresso Nacional de Espeleologia, o IV Congresso Latino-Americano e Caribe de Espeleologia, e o 13th International Congress of Speleology, com a participação de 43 países.

3 - Informe SBE nº 78 de nov/dez de 2001: www.sbe.com.br/pains/arcos .

4 - Carta de Iguatama: documento da Expedição Américo Vespúcio 2001, que permaneceu por 3,5 anos no site www.americovespucio.com.br .


EXPEDIÇÃO AMÉRICO VESPÚCIO 2005_NOTÍCIAS DA IMPRENSA

GILBUÉS: O MUNICÍPIO QUE VIROU PÓ



Para uma região tão exótica, virar Parque Nacional do Deserto
pode ser uma das últimas táboas de salvação

Tânia Martins, de Gilbués-PI
28 de Setembro de 2005

Outrora cantada em verso pelo poeta piauiense Celso Pinheiro [Gilbués! Gilbués! óh terra alvissareira...], hoje a cidade não tem mais nada de poesia. Pode virar pó. Situada no sul do Piauí, a 797km de Teresina, Gilbués tem um terço da população dos anos 60: 12 mil habitantes. Tudo começou com a febre do diamante, somada à secular agricultura de subsistência. Há 40 anos, ali se desenvolveu uma mineração desordenada. Terminado o ciclo, favorecido ainda por uma desertificação de origem geológica, restaram grandes buracos que aos poucos se transformaram em voçorocas, que foram, lentamente, avançando e engolindo a vegetação. Tudo virou pó! Hoje é um grande deserto vermelho. Técnicos de vários órgãos governamentais (ANA, Codevasf, IICA, Geverno Alemão-GTZ, Universidades, Ministérios da Agricultura, MMA e ONGs) passaram quatro dias na região. Eles acabam de voltar a Brasília. Seus estudos podem acenar com um futuro melhor. Podem, até, resgatar Gilbués pelo turismo como, novamente, a terra alvissareira do poeta Celso Pinheiro. “A criação de um Parque Nacional do Deserto de Gilbués é uma alternativa que pode gerar emprego, renda e esperança nos sete municípios”, afirma o ambientalista Geraldo Gentil Vieira.

"Gilbués! Gilbués! ó terra alvissare ira,
Como uma flor sonhando aos ósculos do clima!
Que ternura, que amor, que glória é que te anima, Ó soberba porçã
o da Pátria Brasileira?!...”

Primeira estrofe do soneto “Gilbués” do poeta piauiense Celso Pinheiro (*1887 +1950)

Mais de 70% do município de 3.885km², composto de vegetação de Caatinga e Cerrado, sofrem os efeitos da desertificação. Segundo dados da Fundação Agente, uma Ong que estuda o problema, além de Gilbués o fenômeno já se estendeu por mais outros sete municípios do entorno.
Para o agrônomo da Fundação Agente e doutor em solo, Adeodato Salviano, mais de 769 mil hectares de terras da região estão completamente desertificadas. “E tem mais - explica Adeodato - além da atividade do garimpo, as variações climáticas, atividade agropastoril e a pobreza do solo foram também responsáveis pelo processo de erosão”.
Em Vaqueta, povoado a 10km de Gilbués, são tantos as voçorocas que a vista não alcança o fim. É lá que mora o agricultor Manuel Cirqueira, 68 anos, proprietário de cem hectares de terra, lugar de onde ainda consegue tirar o sustento de toda a família de 30 pessoas entre filhos, genros e netos. Ele é um dos poucos moradores da localidade que resiste. Continua no local mesmo admitindo que já faz muitos anos que sua família passa privações. "Começa a faltar lugar para o plantio. Imagina que dos 100 hectares que eu tinha, mais de 70 desapareceram. Viraram deserto". E o agricultor Manuel Cirqueira põe tristeza na voz quando fala da chuva, sempre bendita e esperada em qualquer terra do Nordeste: "Aqui, quando começa a chover é triste de ver a água escorrendo. A água abre grandes buracos por todos os lados. A chuva vai lavando a terra e abrindo mais voçorocas".
O êxodo rural é grande. Todos tomam o caminho das cidades e buscam outros lugares para plantar. "Por aqui já não existe quase ninguém, todos vão embora. Eu não vou porque não tenho mais idade. Se é para passar fome na cidade, fico mesmo aqui", confessa Cirqueira.
"Não há perspectiva de sobrevivência na cidade que estagnou há muitas décadas", diz Ivete Oliveira, da Fundação SOS Gilbués.

Desertificação no Piauí
Pela gravidade do problema e pela extensão do fenômeno, o engenheiro agrônomo Geraldo Gentil acha que todo programa de combate à desertificação deve estar centrado nas comunidades atingidas.
A SOS Gilbués foi instalada há quatro anos com o objetivo de realizar um forte trabalho para conscientizar a população que se nega a reconhecer o grave problema. Hoje são 250 jovens voluntários.


Foto: Airton Porto
Ivete Oliveira explica que o processo de desertificação foi lento. Mas constante. E todas as ações para impedir a degradação foram lentas e isoladas.



Foto: Geraldo Gentil Vieira
De chapéu, à esquerda, o prof. Milcíades Gadelha, do Núcleo de Desertificação de Gilbués,
e, mostrando as raízes expostas pela voçoroca, o agrônomo Adeodato Salviano.

Para Adeodato, doutor em solo e líder da Fundação Agente, mais de 769 mil hectares de terras da região estão completamente desertificados. Hoje, 70% do município de Gilbués sofrem os efeitos da desertificação.

Foto: Airton Porto
Tudo começou com o descontrole e a agressiva garimpagem de diamantes. Sem uma gestão ambiental e a falta de fiscalização, outros fatores, além do garimpo, foram responsáveis pelo processo de erosão: as variações geológicas e climáticas, atividade agropastoril e a pobreza do solo.

Hoje, segundo o professor Waldemar Rodrigues, da Universidade Federal do Piauí, Gilbués possui a maior área contínua desertificada do País.
Há 10 anos, por exemplo, o Instituto Desert, uma outra Ong sediada em Teresina, iniciou um estudo na área. Tinha o compromisso de iniciar a recuperação do solo mas nada aconteceu. "Eles chegaram, construíram um prédio na cidade, que seria a sede, anunciaram em jornais que Gilbués iria desaparecer, mas quem desapareceu foram eles, deixando um trauma nos moradores", desabafa Ivete Oliveira.
O trauma a que se refere a ambientalista é o temor que as famílias têm de perderem tudo que construíram ao longo de décadas. Falar em desertificação por lá é querer arrumar inimigos. "Mesmo eles vendo que as voçorocas avançam e que já estão chegando na igreja, no cemitério e já está rachando paredes de muitas casas, não admitem falar sobre o assunto. Daí a importância de nosso trabalho", revela a líder da Fundação SOS Gilbués. Ivete Oliveira é de Brasília e mora na cidade há cinco anos.
Só recentemente o governo do Estado iniciou uma experiência de recuperação do solo em uma área de 50 hectares que batizaram de Núcleo de Pesquisa e Recuperação de Áreas Degradadas. De acordo com o diretor do Núcleo, Milcíades Gadelha, foram adotadas técnicas simples que consiste em reter a água em microbacias e na plantação de leguminosas para acabar com o processo de erosão. Também iniciaram o plantio em curva de nível e plantaram crotalária, feijão guandu e caupi. Apesar da experiência ser um sucesso, o trabalho parou por falta de verbas. "Estamos esperando a liberação de recursos do Ministério do Meio Ambiente que deve alocar verbas para o Programa Nacional de Combate a Desertificação”, argumenta Milcíades.

Técnicos vão pedir apoio do FNMA
O município de Gilbués é considerado o núcleo da desertificação no Nordeste. A degradação do solo já atinge, além de Gilbués, mais seis municípios da região. São eles: São Gonçalo do Gurguéia, Corrente, Monte Alegre do Piauí, Barreiras do Piauí, Curimatá, Redenção do Gurguéia. Os seis municípios juntos somam 6 mil km² ou 600 mil hectares.Todos eles travam uma luta silenciosa contra o tempo. Nos últimos anos, a erosão que transformou a paisagem dos arredores das cidades tem avançado em direção à parte urbana, ameaçando casas, ruas e rodovias.
Para o professor Adeodato Salviano, não há dúvida que a atividade humana foi a maior responsável pelo degradação do solo em Gilbués. Mesmo assim, há pouco mais de dois anos, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente concedeu licença para uma empresa que, segundo os moradores da cidade é de origem canadense - embora ninguém saiba o nome - realizar pesquisas para futura exploração de diamante, que segunda a população, ainda existe muito na região. A ambientalista Ivete Oliveira explica que ninguém sabe o nome da empresa e os donos nunca aparecem. “Aqui só aparecem os operários e as dragas, todos sem identificação”, garante.
O ano passado uma das dragas da empresa deixou vazar óleo diesel no riacho Boqueirão, causando um desastre ecológico jamais visto naquelas bandas. Indignados, os vereadores de Gilbués, através da Câmara Municipal, denunciaram formalmente os responsáveis pela empresa os pernambucanos, Heraldo Sá Martins e Fernando Uchôa de Moura, ao Ministério Público que abriu um processo para apurar as responsabilidades. A atividade da empresa se estende aos povoados Serra Dourada, Saudade, Fazenda Aleixo, Guianinha, Boqueirão do Pêssego e Bom Jardim.
Segundo os ambientalistas da Fundação SOS Gilbués, sabe-se que, mascarados por pesquisas, há anos as dragas da empresa vem praticando o garimpo de forma ilegal. E nenhuma providência foi tomada.
Quanto ao andamento do processo na Curadoria do Meio Ambiente, ninguém sabe como se encontra. A Curadora do Meio Ambiente do Estado, promotora Rita Moreira e Sousa, alegando acúmulo de trabalho nem pode receber nossa reportagem.
Alternativas
A solução colocada por um dos técnicos que visitou a área é agronômica e agroflorestal: “Ao lado das interessantes experiências estaduais e locais, poderão ser apresentadas ao Fundo Nacional do Meio Ambiente propostas para hidrossemeadura de leguminosas arbóreas e gramíneas nativas e exóticas, por via aérea, atingindo grandes extensões”, salienta o agrônomo da Codevasf Geraldo Gentil Vieira. E explica: “Desse coquetel de sementes, lançadas por avião agrícola, aquelas que sobreviverem e conseguirem produzir sementes em um ano hidrológico, serão consideradas mais aptas à região. Assim, árvores e arbustos como a algaroba, leucena, guandu,gonçalo-alves e aroreira, irão concorrer em condições naturais. Até mesmo a casuarina, através de mudas e entre paliçadas nas valas, com a vantagem de fixar nitrogênio no solo”. Segundo ele, o turismo sustentado é outro potencial inexplorado.
Para as lideranças locais, a esperança é que o Programa Nacional de Desertificação saia definitivamente do papel. "Não adianta mais tantos congressos e reuniões em Brasília, Washington ou Teresina. É aqui que está o problema. A vida não pode continuar se desmilinguindo em promessas. Até a esperança já está virando pó", diz desanimada Ivete Oliveira, da SOS Gilbués, que se apega numa última centelha de fé que remasce da visita que os 25 técnicos fizeram, agora em setembro, a Gilbués.
Fonte: FOLHA DO MEIO AMBIENTE


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SÃO FRANCISCO TEM "NOVA" E DESPROTEGIDA NASCENTE 

CAMINHO DAS ÁGUAS

Rio aumenta 49 km com a descoberta da nova origem


PAULO PEIXOTO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELO HORIZONTE


O rio São Francisco cresceu em extensão. Desde 2002, passou a ter 2.863,3 km da nascente, em Minas Gerais, até a foz. O que determinou o aumento de 49 km foi a descoberta da "nova" nascente. Por quase dois séculos, a nascente tida como principal sempre esteve dentro do Parque Nacional da Serra da Canastra. Não está mais.
A "nascente geográfica" do São Francisco agora é o rio Samburá, que nasce no município mineiro de Medeiros, vizinho à Serra da Canastra. Essa descoberta fez aumentar a mobilização de ambientalistas, porque a nascente está sem proteção, exposta ao desmatamento e à ação de pecuaristas, agricultores e mineradores.
A preocupação de ambientalistas e técnicos são as plantações de soja e batata na região da nascente, que usam agrotóxicos, desmatam e provocam erosão. Por isso eles defendem a criação de uma Área de Proteção Ambiental em Medeiros. Outra sugestão é que a localidade seja incorporada ao parque da Serra da Canastra, que abriga e protege a "nascente histórica", em São Roque de Minas.
O governo estuda a preservação da nascente, mas propõe outra alternativa, dentro de um projeto de revitalização e preservação de toda a extensão do São Francisco.
A "nova" nascente
A "nova" nascente foi reconhecida a partir de estudos técnicos da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales dos São Francisco e do Parnaíba).
Esses estudos tiveram início em 2001 com a expedição Américo Vespúcio, organizada pelo engenheiro agrônomo Geraldo Gentil Vieira, da Codevasf. Em 2002, novas pesquisas foram feitas nas nascentes dos rios, usando levantamentos técnicos no local e equipamentos de geoprocessamento. Os resultados confirmaram que o rio Samburá é o São Francisco. O braço que desce da Serra da Canastra não é a principal nascente.
Comparados os dois, o Samburá tem maior bacia hidrográfica, maior vazão e maior calha. É ainda mais profundo. São essas características que definem qual é o trecho principal de um rio.
Por isso o rio cresceu 49 quilômetros: a diferença entre a distância do trecho do Samburá até a confluência com o braço do rio que vem da serra (147 km) e deste até o mesmo ponto (98 km).
Em 2004, a ANA (Agência Nacional de águas) publicou resolução ratificando a portaria do extinto Dnaee (Departamento Nacional de águas e Energia Elétrica) sobre essa questão. Diz a resolução: "Em cada confluência será considerado curso d"água principal aquele cuja bacia hidrográfica tiver a maior área de drenagem".
Uma questão ainda está pendente. Um rio é federal, caso do São Francisco, ou estadual, caso do Samburá. Mas, pela legislação, o Samburá deve ser federal.
Para Geraldo Vieira, da Codevasf, e ambientalistas, como André Picardi, do conselho consultivo do parque da Canastra, a proteção da nascente deve ser priorizada, com a criação de uma unidade de conservação que faça do turismo ecológico uma alternativa econômica para a região.

Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO (SP), BRASIL, 13/11/2005


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MUDANÇA NO MAPA


A nascente descoberta pelos pesquisadores fica em uma fazenda fora da Serra da Canastra. O rio que brota no local ganhou o nome de Samburá, berço do velho Chico para a CODEVASP, Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba.

Segundo a pesquisa, feita em 2002, a explicação está no encontro dos dois rios.
Apesar de ser considerado afluente, o Samburá é maior que o São Francisco. “É um rio maior, por isso ela seria a nascente do São Francisco em detrimento da Serra da Canastra”, afirma Luiz Carlos de Farias, presidente da CODEVASP.

A prioridade dos ambientalistas agora é preservar nascente do rio Samburá, que está ameaçada pela expansão agrícola. Ao lado, há plantações de soja e batata.
Para impedir que a devastação continue, a intenção é transformar a região em uma área de preservação ambiental. “O uso de agrotóxicos, que infiltra na camada do solo, vai estar comprometendo o solo e a qualidade das águas também”, explica Gislaine Nunes, ambientalista.

Mas para o local se tornar em área de preservação é preciso o consenso no resultado da pesquisa. O Ibama, por exemplo, discorda e continua considerando nascente da Serra da Canastra como a única do Rio São Francisco. “Ainda não recebemos informação caracterizando essa área como a nova nascente do Rio São Francisco. Depende do IBGE, através da Agencia Nacional de Águas, para decretar ou conceituar esse ponto como a nova nascente”, aponta Vicente de Paula Leite, chefe do IBAMA.

Em um ofício, o IGBE comunica à CODEVASP que as informações da pesquisa estão restritas à representação cartográfica, o que fornece apenas uma visão parcial do problema. E que para concordar com a pesquisa, também precisaria fazer levantamento de campo.

Quarenta e nove quilômetros separam uma nascente da outra. E já existem sugestões para valorizar as duas. “Uma seria a nascente geográfica, que a ciência aponta como a do Rio São Francisco. A outra seria na nascente histórica, já desce o século XVII”, sugere o ambientalista André Picardi.

FONTE: JORNAL NACIONAL-Rede Globo 26 de novembro de 2005.


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EXPEDIÇÃO AMÉRICO VESPÚCIO 2004_NOTÍCIAS DA IMPRENSA


RIO SÃO FRANCISCO NÃO NASCE NA SERRA DA CANASTRA

Silvestre Gorgulho
23 Abril 2004

A nova nascente do rio São Francisco

Pesquisador descobre novas verdades sobre o Velho Chico: ele não nasce na Serra da Canastra, onde está a cachoeira Casca D}Anta, e tem novas medidas geográficas

A César o que é de César, a Deus o que é de Deus e ao São Francisco o que é do São Francisco. Sobretudo, a correta certidão de nascimento. Como se vai revitalizar um rio se mal se sabe seu tamanho? Nem onde nasce? Essa é a questão colocada nesta reportagem que anuncia o resultado do relatório final de uma equipe técnica Codevasf (a), coordenada por Geraldo Gentil Vieira, que dá uma guinada geográfica de 180 graus no local de nascimento do mais importante, polêmico, usado e expoliado rio brasileiro: o rio São Francisco, chamado de rio da integração nacional. Depois de percorrer toda extensão do São Francisco na Expedição Américo Vespúcio e de concluir o relatório da Codevasf, Geraldo Vieira pode anunciar: a beleza e a exuberância da cachoeira Casca D'Anta roubaram a verdadeira nascente do São Francisco, encurtando-lhe vários quilômetros (b). Pelos cálculos e estudos da equipe técnica, os dados geográficos do Velho Chico mudaram. Vieira, vários espeleólogos (1) e canoístas já sabiam disso: a verdadeira nascente não é onde todo mundo estuda, na Serra da Canastra, descendo em cachoeiras para formar a belíssima Casca D'Anta, no município de São Roque de Minas. E sim no planalto do Araxá, no município de Medeiros. É esta história fantástica, guardada num segredo de sete chaves, que a Folha do Meio Ambiente conta, em primeira mão, aqui e agora.

Lendas, histórias de pescadores, causos, verdades e mentiras povoam as margens dos rios. E as margens do rio São Francisco, que atravessa três biomas (2) cinco estados e muitas culturas não fica atrás: é riquíssima em histórias e estórias. Mas nenhuma delas é tão forte como esta que o engenheiro agrônomo, técnico da Codevasf e idealizador da Expedição Américo Vespúcio, que percorreu toda extensão do rio durante 35 dias, em 2001. Vamos explicar melhor: a Expedição Américo Vespúcio foi a primeira viagem de caráter nitidamente ambiental e cultural a percorrer em barco o rio São Francisco de ponta a ponta, das nascentes à foz. Foi concebida e organizada por Geraldo Gentil Vieira, em função da revitalização da bacia por ocasião dos 500 anos de sua descoberta. Objetivo: realizar o mais amplo diagnóstico itinerante de todo o São Francisco.

a) Equipe de trabalho da Codevasf: Geraldo Gentil Vieira (eng. agrônomo), Leonaldo Silva de Carvalho (agrimensor), Miguel Farinasso (eng. agrônomo), Paulo Afonso Silva (eng. civil) e Rosemery José Carlos (geógrafa).
(b) O comprimento do rio São Francisco não tem unanimidade: segundo a Delta Larousse de 1971, ele tem 2.624 km; mas para a mesma Delta Larousse de 1986, sua extensão é de 3.161 km. Na


Mirador, seu comprimento também é de 2.624 km; e para os sites oficiais da Codevasf, Chesf e Cemig o comprimento é de 2.700 km. Assim, vemos uma grande variação numérica nas dimensões do rio. Pelos dados destes sites a diferença da nascente da Casca d}Anta para a nova nascente do rio Samburá é de 49,18 km. Levando-se em conta todos os diferentes dados, a nova nascente já apresentada no Congresso de Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento em BH 2003 e no SpeleoBrazil2001, o comprimento do São Francisco fica maior pela vertente do Samburá. O próximo passo será encaminhar o trabalho ao IBGE para homologação oficial.

As duas nascentes

O próprio Geraldo Gentil Vieira começa a contar a verdadeira história da nascente do São Francisco, tão logo voltou da expedição: "Ao retornar aos quadros da Codevasf em 1999, queria tirar uma dúvida. Afinal, nasci e vivi nas barrancas do rio São Francisco, na cidade de Iguatama, em Minas Gerais. Queria saber a extensão exata do Velho Chico e descobrir sua verdadeira nascente". Na verdade, Gentil Vieira sabe a o valor das medidas: "Tal como as pessoas têm a sua estatura, os rios têm suas medidas. Alguns deles não estão contentes com a sua altura. Assim, o orgulhoso Amazonas, o maior rio em volume de águas e até bem pouco tempo o segundo em tamanho com 6.436 km, é alvo atual de expedições aos píncaros andinos e de intensas medições e avaliações em modelos e imagens digitais para superar o faraônico Nilo, com os seus 6.693 km bem vividos".
E por que com o velho guerreiro São Francisco ocorre o contrário? Por que teimam em encurtá-lo? Por que os 2.700 km redondos? Gentil Vieira responde com a autoridade de um descobridor: "Não concordo que o São Francisco tenha menos de 3.001 km de extensão. Conheço-o desde menino. Sei que ele cai no Samburá, seu primeiro "grande" afluente, que por sua vez já recebeu as águas do Santo Antônio". E Gentil Vieira pergunta com razão: "Como um rio maior pode ser afluente do menor? Como pode ser mais importante do que seu afluente? A verdade é cristalina como as águas de todas as nascentes do mundo: o São Francisco é afluente do rio Samburá".
Como o Pico da Bandeira até há alguns anos era o ponto culminante do Brasil e perdeu essa hegemonia para o Pico da Neblina, assim também parece acontecer com a nascente do São Francisco. Explicação? Gentil Vieira tem na ponta da língua, do lápis e do computador: "É só buscar imagens de satélite, fazer novas expedições para comprovar essa realidade. É só ir lá na confluência no cânion (3) de São Leão, uma beleza natural que poucos conhecem e ver as águas barrentas do São Francisco caindo no cristalino rio Samburá".
No século 17 os bandeirantes deliberaram e batizaram o curso principal do São Francisco fascinados pela majestosa cachoeira Casca d'Anta, apelidada de cachoeira catedral, do alto dos seus 162,828 metros. Segundo Gentil Vieira a nascente do São Francisco está a 98,12 km acima do encontro com o rio Samburá. Enquanto o São Francisco nasce a 1.469 metros de altitude, o Samburá nasce no planalto de Araxá a 1.254,66 metros. O Samburá tem precisamente 147,30 km de extensão até encontrar o São Francisco e o São Francisco exatos 98,12 km até encontrar o Samburá. Desta confluência até a foz são 2.716 km.

O mapa plani-altimétrico feito por computador mostra que a vazão, a calha e a profundidade do rio Samburá são maiores que o braço do São Francisco. Então, a verdade geográfica é clara: o Samburá é o rio principal

Novas medidas

Assim, desta óbvia constatação surgiram os novos dados do maior rio totalmente brasileiro: 2.814,12 km para o trecho tradicional ou histórico do rio, com as nascentes na serra da Canastra, e 2.863,30 km para o trecho dito geográfico do Samburá, que tem as nascentes na Serra d}Agua, no pequeno município de Medeiros.
É bom salientar que todos da equipe técnica responsável pelo relatório final "Determinação da Extensão do rio São Francisco" deixam claro duas coisas: primeiro, para dirimir a polêmica sobre o que é curso principal e tributário (4) uma ampla pesquisa foi feita em sites de universidades brasileiras e americanas, Unesco, dicionários cartográficos e geológicos; segundo, "o conceito que envolve deságua ou desemboca sugere que o afluente tem na confluência uma cota de talvegue(5) mais alta. Já quando se diz que o afluente é um rio menor que contribui para a vazão de um outro maior, há a dúvida sobre qual o critério de comparação: se o maior dos dois é o rio que tem maior vazão, extensão, largura (na confluência) ou maior na bacia de contribuição".
Nesta linha de raciocínio, Gentil Vieira explica porque a nascente então está no Samburá: "Na busca de dados geográficos mais precisos, comprovamos tecnicamente que a bacia hidrográfica, a vazão, a calha e a profundidade do Samburá são maiores. Para chegar a estes dados usou-se imagens de satélite, cartografia adequada, visita às nascentes, e foi utilizado GPS geodésico ASTECH SCA 12S, teodolito Zeiss THEO 010, distanciômetro AGA210 Geodimeter e nível Zeiss. A equipe utilizou uma metodologia capaz de atender as escalas existentes". E conclui o agrônomo-ambientalista com autoridade de quem se embrenhou nas matas e campos, vasculhou palmo a palmo as margens de um e de outro rio: "Assim são os rios, assim são os homens. Ambos têm os seus humores e critérios". Hoje já passados dois anos e concluídos os trabalhos da equipe da Codevasf, temos novos desafios: desengavetar e usar estes dados para uma próxima bandeira que será estender o Parque Nacional da Serra da Canastra até o Samburá. Temos que criar o Parque Estadual da Mata de Pains, de 6 mil hectares, unindo tudo isto pela Área de Proteção Ambiental das Dez Cidades-Mães do São Francisco (c) proposta que apresentamos no SpeleoBrazil2001 [13º Congresso Internacional de Espeleologia, 4° Congresso Latino-Americano e o 26o Congresso Brasileiro de Espeleologia, realizados em Brasília, com 43 países participantes] e ao governo federal, em 2004, no plano de revitalização do rio São Francisco".
Para os proprietários de terra tradicionais e os recém-chegados sojicultores à região, Gentil Vieira dá boa dica: "Todo este trabalho de preservação abrirá as portas para o ecoturismo. Algumas atividades predadoras, os garimpos, já vêm sendo substituídos por pousadas e hotéis-fazenda. Esse é um novo vêio de ouro e diamante que gera emprego, renda e desenvolvimento sustentável na região. Na minha opinião, o turismo ecológico, o queijo canastra/pecuária de leite, a piscicultura, a fruticultura, o café e a cachaça de qualidade devem ser o carro-chefe da economia regional. Temos que acabar, paulatinamente, com as lavouras anuais altamente impactantes ao solo e corpos d’água do frágil ecossistema das cabeceiras".(c) As dez cidades-mãe (ou das cabeceiras) do São Francisco são: Iguatama, Bambuí, Medeiros, São Roque de Minas, Vargem Bonita, Piumhi, Doresú polis, Cárrego Fundo, Pains e Arcos.

Quem é Geraldo Gentil Vieira

Geraldo Gentil Vieira é engenheiro agrônomo pela Universidade Federal de Lavras-UFLA (1975), especializado em Irrigação e Solos pelo Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas-IICA/FAO/Codevasf e Solos/Desertificação pelo The Egyptian International Centre for Agriculture-EICA, Cairo, Egito. Trabalha atualmente na Codevasf na área de Geoprocessamento. O mais importante disto tudo é que Gentil Vieira é um apaixonado pelas questões ambientais e vem se dedicando muito em pesquisa sobre recursos naturais e expedições, por isso foi o idealizador e coordenador técnico da Expedição Américo Vespúcio.


Glossário

1 - Espeleólogos - Estudiosos da espeleologia, a ciência que estuda e pesquisa as cavidades naturais da terra como cavernas, grutas e fontes.

2 - Bioma - Macroecossistema no qual predomina um tipo de vegetação, apresentando aspectos semelhantes em todo seu território como clima, latitude, relevo, regime de chuvas e tipo de solo. Podem ser terrestres e aquáticos.

3 - Cânion - Vale estreito, em forma de U, com bordas muito abruptas, geralmente cava por um curso d}água.

4 - Tributário - Diz-se de um curso d'água, em relação a outro, cujas águas afluem em direção a este outro. Por isso, são também ditos afluentes. O rio "A" é tributário, ou afluente, de "B" quando as águas de "A" desembocam em "B".

5- Talvegue - O canal mais profundo do leito de um curso d}água.

Summary

The new source of the São Francisco River

A César o que é de César, a Deus o que é de Deus e ao São Francisco o que é do São Francisco. Sobretudo, a correta certidão de nascimento. Como se vai revitalizar um rio se mal se sabe seu tamanho? Nem onde nasce? Essa é a questão colocada nesta reportagem que anuncia o resultado do relatório final dos técnicos da Codevasf (Geraldo Gentil Vieira, Miguel Farinasso, Leonaldo Silva de Carvalho, Paulo Afonso Silva e Rosemery José Carlos) que dá uma guinada geográfica de 180 graus no berço do mais importante, polêmico, usado e abusado rio brasileiro, por isso mesmo, chamado de rio da integração nacional. Depois de percorrer toda extensão do São Francisco na Expedição Américo Vespúcio e de concluir o relatório da Codevasf, Geraldo Vieira pode anunciar ao Brasil e ao mundo: a beleza e a exuberância da cachoeira Casca D}Anta roubou a verdadeira nascente do São Francisco,
encurtando-o em vários quilômetros. Pelos cálculos e estudos da equipe técnica da Codevasf, os dados geográficos do Velho Chico mudaram. Vieira e vários espeleólogos, já sabiam disso: a verdadeira nascente não é onde todo mundo estuda, na Serra da Canastra descendo em cachoeiras para formar a belíssima Casca D}Anta, no município de São Roque de Minas. E sim no planalto do Araxá, no município mineiro de Medeiros. É esta história fantástica guardada num segredo de sete chaves que a Folha do Meio Ambiente conta, em primeira mão, aqui e agora.
No século 17 os bandeirantes batizaram o curso principal do São Francisco fascinados pela majestosa cachoeira Casca d'Anta, do alto dos seus 163 metros. Segundo Gentil Vieira a nascente do São Francisco está a 98,12km acima do encontro com o rio Samburá. Enquanto o São Francisco nasce a 1.469 metros de altitude, o Samburá nasce no planalto de Araxá a 1.254,66 metros. O Samburá tem precisamente 147,30km de extensão até encontrar o São Francisco e o São Francisco exatos 98,12 km até encontrar o Samburá. Desta confluência até a foz são 2.716 km.
Assim, desta óbvia constatação surgiram os novos dados do maior rio totalmente brasileiro: 2.814,12 km para o trecho tradicional ou histórico do rio, com as nascentes na serra da Canastra, e 2.863,30 km para o trecho dito geográfico do Samburá, que tem as nascentes na Serra d}Agua, no pequeno município de Medeiros.
A equipe técnica deixou claro duas coisas: primeiro, para dirimir a polêmica sobre o que é curso principal e tributário, uma ampla pesquisa foi feita; segundo, o conceito que envolve deságua ou desemboca sugere que o afluente tem na confluência uma cota de talvegue. Já quando se diz que o afluente é um rio menor que contribui para a vazão de um outro maior, há a dúvida sobre qual o critério de comparação: se o maior dos dois é o rio que tem maior vazão, extensão, largura (na confluência) ou maior na contribuição".
Nesta linha de raciocínio, Gentil Vieira explica porque a nascente está no Samburá: "Na busca de dados geográficos mais precisos, comprovamos tecnicamente que a bacia hidrográfica, a vazão, a calha e a profundidade do Samburá são maiores. Para chegar a estes dados usou-se imagens de satélite, cartografia adequada, visita às nascentes, e foi utilizado GPS geodésico ASTECH SCA 12S, teodolito Zeiss THEO 010, distanciômetro AGA210 Geodimeter e nível Zeiss”.

Fonte: FOLHA DO MEIO AMBIENTE


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UMA NOVA NASCENTE PARA O VELHO CHICO


Hugo Marques
Jornal do Brasil
26/4/2004

Estudo diz que o Rio São Francisco nasce em Medeiros,
e não na Serra da Canastra

BRASÍLIA -''Aqui nasce o São Francisco''. A placa que saúda os visitantes na Serra da Canastra, em Minas Gerais, corre o risco de ir por água abaixo. Um estudo feito pela equipe de especialistas da Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf) revela novidades sobre o Velho Chico: ele não nasce na Serra da Canastra e é ainda maior do que se pensava. O relatório da Codevasf, publicado na semana passada pela Folha do Meio Ambiente, conclui que o São Francisco nasce no município de Medeiros, fora do Parque Nacional da Serra da Canastra. Brota primeiro nas nascentes da Serra D'Água que formam o Rio Samburá, até então pouco conhecido. No Samburá, caem as águas que descem da Serra da Canastra. - O principal é o Rio Samburá. O braço que desce da Serra da Canastra é afluente - confirma o engenheiro Paulo Afonso Silva. Além de Paulo, participaram da equipe técnica os engenheiros Geraldo Gentil Vieira, Leonardo Silva de Carvalho e Miguel Farinasso, e a geógrafa Rosemery José Carlos. A equipe desenvolveu a pesquisa no fim de 2002. Além de topografia e vários tipos de levantamentos técnicos no local, a Codevasf lançou mão de uma análise por satélite. A equipe descobriu que o Samburá tem maior bacia hidrográfica, maior vazão, maior calha e mais profundidade que o curso d'água que cai da Serra da Canastra. Além disso, o rio segue linha reta no local da confluência. O curso d'água que desce da Serra penetra no rio principal, confirmam os técnicos. Os pesquisadores avisam que o trabalho não tem a função de diminuir a importância histórica da Serra da Canastra como local onde nasce o São Francisco, e tampouco reduzir o esplendor da cachoeira Casca D'Anta, que desce na lateral da serra. Eles preferem chamar de ''nascente histórica'' a que vem da Canastra, e de ''nascente geográfica'' a que sai de Medeiros, descoberta durante os levantamentos topográficos. - O estudo não tira a importância da Serra da Canastra, mas eleva a importância do Samburá - avisa Paulo Afonso. Os pesquisadores acreditam que a descoberta será muito importante para a preservação do São Francisco, um dos rios que mais sofrem a depredação do homem, com desmatamento e assoreamento em várias regiões. O Rio Samburá, segundo avaliação pessoal de Paulo Afonso, não tem o mesmo ''charme'' das águas que caem da Serra da Canastra. - É um rio bem comum. É uma mesmice em termos de paisagens - opina Paulo Afonso. O Samburá tem 147,3 quilômetros até encontrar o curso d'água que desce da Serra da Canastra. Até o encontro com o Samburá, as águas que descem da serra percorrem 98 quilômetros. No Samburá, os pesquisadores encontraram um conjunto de cânions que dificultou o acesso e a pesquisa. Paulo Afonso sentiu na pele os percalços do caminho: torceu o pé e foi obrigado a ficar alguns dias de repouso. O próximo passo do governo federal é criar outro parque nacional na região, para preservar as verdadeiras nascentes do São Francisco de eventual depredação ambiental. Na visita à região, os estudiosos observaram que as margens do Samburá são preservadas e o rio não está poluído. Com a nova medição feita pela equipe da Codevasf, o Rio São Francisco passa a ter 2.863,3 quilômetros. A extensão do Velho Chico não é consenso nem entre órgãos oficiais e enciclopédias. O tamanho do rio chega a variar de 2,7 mil quilômetros até 3,1 mil quilômetros. Os pesquisadores da Codevasf querem agora realizar um trabalho semelhante no Rio Parnaíba. O objetivo do estudo é também o de medir o rio, descobrir o volume de água das nascentes e checar o nível de degradação ambiental. Estes relatórios, acreditam os especialistas, serão importantes fontes de informação para a hidrografia e a preservação do meio ambiente no país.


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QUAL É O RIO FORMADO POR APENAS UMA NASCENTE


Vicente Inez Quintão / Folha da Canastra
Hoje em Dia (MG) 04/05/2004


O cinegrafista da Globo mostrou as imagens das nascentes do rio Samburá, em local degradado pelas mãos do homem. Acima delas, uma plantação de soja colabora na poluição das águas e no assoreamento do curso do rio, por intermédio de agrotóxicos aplicados na lavoura e de erosões provocadas pelos desmatamentos e queimadas, procedimentos comuns na região. Nos estudos do engenheiro agrônomo da CODEVASF, Geraldo Gentil Vieira, ao se percorrer o caminho inverso, da foz às nascentes, os técnicos perceberam que, em muitas confluências, a discriminação e denominação de rio principal e afluente foram efetuadas de forma arbitrária.

Depois de anos da divulgação dos estudos da CODEVASF (Companhia de Desenvolvimento dos Rios São Francisco e Parnaíba) sobre possíveis nascentes geográficas do rio São Francisco e da veiculação da matéria em diversas mídias do país, finalmente o Jornal Nacional apresentou a versão "global" no sábado, dia 24 de novembro

Os resultados de levantamentos de campo na área de junção dos rios São Francisco e Samburá, realizados entre 17 e 27 de agosto de 2002, comprovaram que a vazão do Samburá é três vezes superior à do São Francisco, além do Samburá apresentar calha maior, mais larga e nascer, geograficamente, mais distante que o “Velho Chico”. Isto é, da confluência dos dois rios até as respectivas nascentes, o Samburá leva vantagem em 49 quilômetros . Assim, de acordo com os estudos da CODEVASF, as nascentes do São Francisco não estariam na Serra da Canastra, em São Roque de Minas, mas sim, em Medeiros, sob o nome de Samburá.

Durante a reportagem da emissora, o gerente do Parnacanastra, Vicente Paulo Leite, afirmou que o IBAMA trabalha com a convicção de que as nascentes do Rio São Francisco estão localizadas na Serra da Canastra, enquanto o ambientalista e secretário do Conselho do Parque Nacional da Serra da Canastra, André Picardi, insinuou que as nascentes dentro do Parque seriam as "nascentes históricas" e, no município de Medeiros, estariam localizadas as "nascentes geográficas" do "Velho Chico".


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ONDE NASCE O SÃO FRANCISCO?


Pedro Ferreira - Repórter
Hoje em Dia (MG) 04/05/2004
Notícias do S. Francisco


Quem pensa que o Rio São Francisco nasce na Serra da Canastra, no Sudoeste de Minas, pode estar enganado, a julgar por um estudo produzido por um grupo de trabalho da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf). Através de um mapa topográfico, feito por computador, os pesquisadores mostram que a vazão, a calha e a profundidade do Rio Samburá são maiores que o braço do Rio São Francisco, onde os dois se encontram, na confluência dos municípios de São Roque de Minas, Bambuí e Pium-i. No relatório, já encaminhado ao Ministério do Meio Ambiente, os pesquisadores defendem que o "Velho Chico", na verdade, seria afluente do Samburá.

O engenheiro agrônomo Geraldo Gentil Vieira, coordenador da equipe técnica da Codevasf, participou da Expedição Américo Vespúcio em 2001, percorrendo, de barco, toda a extensão do São Francisco, até a sua foz, em Alagoas. "Descobri coisas do arco da velha sobre o São Francisco", disse ontem o pesquisador, que garante que muito antes da pesquisa já tinha conhecimento do que chama de verdadeira nascente do rio, no município de Medeiros. Segundo ele, a nascente do São Francisco está, na verdade, no Planalto de Araxá, onde os livros de Geografia dizem que nasce o Rio Samburá.Desse local, até o ponto de confluência dos dois rios, no cânion de São Leão, a distância é de 147,30 quilômetros . Já a distância do cânion até a nascente oficial do São Francisco, na Serra da Canastra, é apenas 98,12 quilômetros . 'Como um rio maior pode ser afluente do menor?', questiona Geraldo Vieira, que nasceu em Iguatama, cidade ribeirinha do São Francisco, próximo à Serra da Canastra.

A descoberta dessa nova nascente do "Velho Chico", garante o pesquisador, foi feita na década de 90, quando ele acompanhava blitze ecológicas da Polícia Florestal ou praticava canoagem. Em 1999, quis provar a sua tese e, em 2001, realizou a Expedição Américo Vespúcio, que durou 35 dias. Em 2002, um grupo de trabalho foi criado pela Codevasf para fazer o geoprocessamento do Rio São Francisco.

Os estudos de laboratório e de campo, segundo Geraldo Vieira, concluíram que a extensão do Rio Samburá é bem maior do que a do São Francisco, isso levando-se em consideração o local onde os dois rios nascem e se encontram. Desse ponto até a foz do São Francisco, em Piaçabuçu, Alagoas, seriam mais 2.716 quilômetros . E isso, segundo o pesquisador, dá uma nova extensão geográfica para o "Velho Chico". Geraldo Vieira contesta a informação de que o São Francisco teria apenas 2.700 quilômetros . Para ele, o rio possui mais de 3.001 quilômetros , cortando Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas.

Devido a problemas operacionais, as vazões dos rios São Francisco e Samburá, no ponto onde se encontram, foram constatadas apenas visualmente, informa Geraldo Vieira. Segundo ele, serão feitas medições com aparelhos próprios, como o molinete, que dá com precisão a velocidade de um curso de água por meio de rotação. "Vamos saber quantos litros ou metros cúbicos de água por segundo tem cada rio", informa o pesquisador. Dois anos após a conclusão de seus estudos, Geraldo Vieira afirma que, agora, a proposta da Codevasf é 'levantar a bandeira' para que o Parque Nacional da Serra da Canastra seja estendido até Samburá. Outro objetivo é criar o Parque Estadual da Mata de Pains, de 6 mil hectares, em uma Área de Proteção Ambiental (APA) formada pelas "dez cidades-mães do São Francisco": Iguatama, Bambuí, Medeiros, São Roque de Minas, Vargem Bonita, Pium-i, Doresópolis, Córrego Fundo, Pains e Arcos. Essas propostas, já encaminhadas ao Ministério do Meio Ambiente, teriam sido acatadas, segundo Geraldo Vieira, para o Plano Nacional de Conservação e Revitalização do Rio São Francisco.

Com a descoberta do que seria a nova nascente do Rio São Francisco, o engenheiro agrônomo Geraldo Gentil Vieira acredita que poderá reforçar o ecoturismo na região. As vertentes do Samburá, conforme ele, são tão bonitas quanto as da Serra da Canastra, onde a cachoeira de Casca D'Anta, conhecida por "Catedral", é o marco oficial da nascente do São Francisco. "As vertentes do Samburá têm topografia mais acidentada. É mais recortada por vales e montanhas", compara.

No trecho do Rio Samburá, antes de seu encontro com o Rio São Francisco, Geraldo Vieira conta que são 35 quilômetros de cânion. "A gente vai descendo de barco, em águas cristalinas, e vendo as cavernas nos paredões". Para fazer esse percurso, ele orienta a contratação de um guia próximo à ponte do logradouro de São Leão, em uma estrada de terra que liga Pium-i a Bambuí.

Para Geraldo Vieira, a beleza e a exuberância da cachoeira de Casca D'Anta roubou a verdadeira nascente do São Francisco, que acabou sendo encurtado em mais de mais de 100 quilômetros . Ao todo, existem 38 cachoeiras com mais de 50 metros de queda no entorno da Serra da Canastra, um tesouro natural que, para ele, impressiona pela beleza de sua fauna e flora. Na Casca D'Anta, o São Francisco dá um salto de 186 metros para seguir o seu curso, cenário que impressionou os bandeirantes no século XVII.

Na busca de dados geográficos mais precisos, que comprovem que a nascente do São Francisco está mesmo no pequeno município de Medeiros, Geraldo Vieira diz terem sido usadas imagens de satélite, cartografia adequada, além de visitas locais. A metodologia utilizada, segundo o engenheiro, foi capaz de atender a todas as escalas existentes.

O Instituto de Gestão das Águas de Minas Gerais (Igam) informou que vai analisar a tese dos pesquisadores, que deverão ser procurados para esclarecimentos. Também informou que pretende enviar seus técnicos à área de geoprocessamento para um levantamento in loco. A assessoria de imprensa da Agência Nacional de Águas (ANA) informou não ter ninguém disponível, ontem, para falar sobre o assunto. Parte menor ficaria com Minas.

O engenheiro Marcelo de Deus Melo, da Gerência de Planejamento Hidroenergético da Cemig, disse ontem ao HOJE EM DIA que essa hipótese de o São Francisco ser afluente do Samburá já foi levantada em alguns fóruns técnicos e deverá ser objeto de estudo pelo Conselho do Plano Nacional de Recursos Hídricos. 'Esse é um assunto muito complicado', definiu. Se o Samburá for considerado oficialmente como nascente do São Francisco, ele passa para o domínio da União e a outorga de uso de suas águas será feita pela Agência Nacional de Águas, e não mais pelo Igam. Em compensação, o órgão estadual ficaria com a administração do trecho do São Francisco que vai da Serra da Canastra até a confluência com o Samburá, diz Marcelo Melo.

A Cemig tem uma estação de medição da vazão do São Francisco em Iguatama, mas não faz a medição do Samburá. Melo considera que a extensão do rio e o tamanho da calha são fatores mais importantes do que a vazão na área de confluência dos rios, para estabelecer qual é o principal e qual é o afluente. E exemplifica: na junção dos rios Jequitinhonha e Araçuaí, este último, o afluente, tem vazão maior que o primeiro. Além disso, acredita que existem aspectos históricos que devem ser considerados, antes que a polêmica levantada pela equipe da Codevasf seja resolvida.Nenhum dos dois trechos de rio apresenta potencial energético importante e, 'em uma análise preliminar', diz Melo, a Cemig não seria afetada com a mudança.


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CONFLUÊNCIA HISTÓRICA E GEOGRÁFICA
A NOVA NASCENTE DO RIO SÃO FRANCISCO

Silvestre Gorgulho
24 Maio 2004

A NASCENTE HISTÓRICA - O rio São Francisco nasce na serra da Canastra e vem em corredeiras até suas águas cairem de 162,8 metros de altura para formar a Casca D´Anta. Percorre 98,12km até chegar na confluência com o rio Samburá.
A NASCENTE GEOGRÁFICA - O rio Samburá, que nasce na serra d´Água, município de Medeiros, percorre 147,30km até chegar à confluência do braço histórico do São Francisco, no canion de São Leão.
Na foto acima, à esquerda está o São Francisco com vazão mínima, em agosto, de 5,3 metros cúbicos por segundo, formando sua primeira prainha entre as muitas que vão ter ao percorrer os 2.716km até sua foz no oceano Atlântico. O rio Samburá vem à direita, com vazão mínima de 16,6 metros cúbicos por segundo, numa relação de três para um a seu favor. Uma batimetria minuciosa foi realizada aí.
Toda a repercussão do trabalho da equipe técnica da Codevasf que identificou a nova nascente do rio São Francisco, divulgado em primeira mão pela Folha do Meio Ambiente, em abril, está nesta edição: geólogos e autoridades até já falam em um novo mapa hidrográfico brasileiro. Como bem explica o ex-ministro, hoje Secretário de Minas Gerais, José Carlos Carvalho, quanto mais tecnologia podemos dispor, mais precisamente vamos conhecer o mundo em que vivemos. Mas tem outro dado importante: novas nascentes trazem também mudanças de dominialidade e aí o que era estadual pode virar federal. Veja, também, a entrevista com o técnico da Codevasf, Geraldo Gentil Vieira.

Fonte: FOLHA DO MEIO AMBIENTE

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AS DESCOBERTAS, A GLÓRIA E A ÉTICA.

De como a nova nascente do rio São Francisco virou lenda


Silvestre Gorgulho
Maio de 2004


Quem faz sua própria trilha deixará sempre seus rastros. E para fazer a trilha são necessários planejamento, oportunidade e coragem. A História está cheia de exemplos: quando Robert Falcon Scott chegou à Antártica, em 17 janeiro de 1912, ficou frustrado em não ser o primeiro. Lá encontrou a tenda erguida pelo norueguês Roald Amundsen, que já havia chegado ao Pólo Sul um mês antes, em 14 de dezembro de 1911. As glórias ficaram para Amundsen. Quando os irmãos Wright se fecharam em copas para pesquisar e tentar um objeto voador mais pesado que o ar, tentando patentear sozinhos e em segredo o projeto do avião, perderam a glória para o gênio festivo de Santos Dumont, que fazia seus experimentos pelos parques públicos de Paris. E, incrível, mas foi Américo Vespúcio quem deu o nome ao Novo Mundo descoberto por Colombo. Também incrível, o mesmo Vespúcio é tido como o descobridor do rio São Francisco, quando, na verdade, o Chefe da Armada que ele integrava era Gonçalo Coelho, que no caso deveria levar as honras e glórias. Assim é a vida...
Guardadas as devidas proporções, coisas semelhantes estão acontecendo nos dias de hoje, tendo como cenário não mais a foz descoberta por Vespúcio, mas a nascente do Velho Chico, descoberta e redescoberta por muita gente... Ao ser o primeiro a divulgar seu trabalho num "paper técnico" da Codevasf mostrando que a nascente do São Francisco não está na belíssima serra da Canastra, como os livros, mas no Planalto do Araxá, no município de Medeiros, o engenheiro agrônomo Geraldo Gentil Vieira abriu uma polêmica sem precedentes. Sua glória está calcada na coragem, na oportunidade e no planejamento que vem fazendo há três anos. Primeiro, coordenando uma importante expedição que desceu o rio São Francisco da nascente à foz; segundo, fazendo jus à barranqueiro, pois sendo natural de Iguatama - uma das dez cidades das cabeceiras - o próprio Geraldo Gentil fez o projeto para a medição oficial para determinação das nascentes. Venceu o esforço de um técnico que com equipe de primeira grandeza integrada pelo próprio Gentil, pelo agrimensor Leonaldo Silva de Carvalho, pelo agrônomo Miguel Farinasso, pelo engenheiro Paulo Afonso Silva e pela geógrafa Rosemery José Carlos. Vencerá o bem se todos os organismos oficiais buscarem apenas a verdade e darem, generosamente, a César o que é de César, a Deus o que é de Deus e ao rio Samburá o que é do rio Samburá. Nosso País só será grande quando imperar a ética, quando acabar o obscurantismo que teima em perpetuar pelos corredores do Estado brasileiro e quando tiver um ponto final o jeitinho e o faz de conta.
Aliás, essa história de nova nascente é uma bela lição para marcar a decisão política de se fazer o projeto de revitalização do rio São Francisco. Um rio de muitas nascentes e todas elas devem ser bem preservadas. O que deve ser enterrado e secar definitivamente são os discursos vazios e as promessas que teimam acontecer nos anos eleitorais.

Fonte: FOLHA DO MEIO AMBIENTE


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INHUMA: AVE EM EXTINÇÃO É ENCONTRADA EM MG


A inhuma é também conhecida por anhuma, anhima, inhaúma, alicorne, unicórnio, cametau, camixi, cauintã, cuintau, cavintau, cavitantau


Geraldo Gentil Vieira
10 de Dezembro de 2004


Tenho feito grandes descobertas ao longo do rio São Francisco. Recentemente descobri que a inhuma - a espécie de maior porte - está voltando a um antigo habitat, a lagoa de Inhumas, em vôos migratórios, vindo não se sabe de onde e indo para onde ninguém sabe. A ave menor sempre existiu por lá. Esta boa notícia foi-me dada por João Vieira Simões e Lindoalmir Dornelas, que possuem propriedades às margens da paradisíaca lagoa. Segundo Juvêncio Rodrigues Nunes, 84, tradicional fazendeiro na região, na década de 80 a extensa lagoa - tem 1.000 hectares de superfície quando cheia e uma ilha ao meio - hoje em fase de assoreamento, atraiu a pesquisadora suíça Anita Studer, que se embrenhava pelos juncos até a cintura, mas não temos registro das suas pesquisas. Pretendo estudar os hábitos e rastrear a rota dessa ave rara e pródiga que retorna ao lar e introduzí-la em Marins, uma RPPN que tenho ali próximo, constituída de brejo e mata de topo interligados por corredor ecológico.

Nasci em Iguatama, onde se localiza a lagoa de Inhumas, uma das maiores lagoas-berçários das cabeceiras do rio São Francisco. Sempre me senti instigado a conhecer essa ave. Em Contagem, na Grande Belo Horizonte, existe um criatório de aves silvestres chamado Crax. Entre as aves ali criadas, está a inhuma. O fato é que o mais novo cadastro da Fundação Biodiversitas, o "Livro Vermelho" da fauna em extinção em Minas Gerais, não faz menção a esta ave. Péssimo sinal: ela já deve ter desaparecido de Minas há muito tempo. Hoje é vista apenas no Pantanal.
Na “Carta de Iguatama”, publicada por ocasião da Expedição Américo Vespúcio, reivindicamos a APA das Cabeceiras ou das Dez Cidades-Mães do São Francisco, visando proteger santuários ecológicos como o da lagoa de Inhumas.

Relatos de St. Hilaire e Pohl
St. Hilaire assim descreveu a rara e bela ave dos pântanos, brejos e banhados em "Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais":
"Tendo percorrido durante duas léguas avistamos a igreja paroquial de Inhaúmas ou São Tiago de Inhaúma (subúrbio do Rio à época), pequeno edifício construído isoladamente sobre uma plataforma de onde se descortina um panorama muito agradável. O nome de Inhaúma não passa, provavelmente, duma corruptela de Inhuma, que se dá no Brasil à ave curiosa que os naturalistas chamam Palamedea cornuta. Como várias localidades têm o nome de Inhuma ou As Inhumas, é provável que tal ave, hoje em dia extremamente rara, fosse outrora muito comum; mas foi com certeza dizimada com o fito de obter-se essa saliência córnea que trás à cabeça e à qual se atribuem virtudes imaginárias."
Johan E. Pohl, outro naturalista minucioso, em agosto de 1820, percorrendo o vale do Jequitinhonha na altura de Minas Novas (17° 12' e 42° 35' LS) e altitude de 692 metros, deu de frente com a inhuma:
"A uma légua de distância desse rio, encontramos vários lagos de pequenas dimensões, chamados lagoas. Na maioria estavam quase inteiramente secos. Em sua superfície, passeavam tranquilamente aves aquáticas em grande número. Aqui vimos também a anhinga (Palamedea cornuta), uma das maiores aves aquáticas, que dificilmente pode ser atingida a tiro. Excede em tamanho ao ganso. Tem um chifre na cabeça e dois esporões córneos em cada uma das asas. Diz-se que faz uso dessas armas para defender-se das cobras".
A mais longa e completa descrição desta bela ave li em "Aves do Brasil", de Augusto Ruschi, eis um resumo: “Inhuma é uma ave da ordem Anseriforme, da família Anhimidae, espécie Anhuma cornata. Seus nomes comuns são anhuma, anhima ou inhuma, e em inglês tem o nome de Horned Screamer. Tem como medidas: comprimento 890mm; asa 580; cauda 293; bico 55; tarso 110; altura total (do pé à crista) 820mm; altura da perna 350mm; altura do pé ao dorso: 590mm.
Ocorre ao Norte e Centro do Brasil, possui colorido geral bruno-denegrido e preto, exceto o abdome que é branco. As penas da parte anterior e da cabeça são ondeadas.
A Chauna torquata denominada anhumapoca, tachã e chajá, ocorre no sul e oeste do Mato Grosso e São Paulo até a Argentina. É semelhante à precedente, porém sem o chifre ou esporão da testa. Seu canto é onomatopéico, repetindo as sílabas tachã, tachã! e chaá, chaá! pela madrugada e ao escurecer. Nidificam nos pantanais, em lugares de difícil acesso. O esporão frontal da A. cornuta é tido como medicinal pelos nativos da Amazônia.
É também conhecida por anhuma, anhima, inhaúma, alicorne, unicórnio, cametau, camixi, cauintã, cuintau, cavintau, cavitantau".

Beleza e exostismo
Devido à beleza e exotismo, a ave é homenageada em topônimos, versos e música: o compositor Tavinho Moura ponteia na sua viola mineira o canto da inhuma, mas alguns afirmam que ela só emite grunhidos e pios. A tradução do seu nome inglês indica sua índole: chifruda gritadeira, ou algo assim.
A música "Alma pantaneira" de Leo Almeida diz que "a inhuma com seu canto enche de fé e encanto a alma do pantaneiro".
E que pena, está presente na alta cozinha internacional junto às caras trufas e algo mais: não estaria aí mais uma causa da sua extinção, o tráfico de aves? Não estaria ela sendo substituída pelo sofisticado faisão?:
"...Se la envisca com foie gras, se la inhuma es una ave sobrecargada de grasa, se la sumerge picada em salsa oscura, se la desposa com hortalizas enmascaradas com mayonesa... !Pelusa de los picadillos, de las laminillas, de los recortes, de las peladuras de trufa!? Es que no es posible amarlas por sí mesmas?". De: www.guiamiguelin.com. Que traduzimos: "...Se a besuntamos com foie gras [fígado de ganso], se a inhuma é uma ave bastante gordurosa, se a refogamos picada em salsa escura, se a juntamos com hortaliças banhadas com maionese... A penugem nos pedaços, nas lâminas, nos recortes, nas esfoladuras das trufas, dos cogumelos?! E não será possível amá-las por si mesmas?"
Quem sabe a revitalização do São Francisco destinará recursos para pesquisas e o resgate de tão rico patrimônio faunístico da região?

(*) Geraldo Gentil Vieira é engenheiro agrônomo e faz parte do Centro de Defesa das Nascentes do Rio São Francisco-CD Nascentes-RSF
Iguatama - MG

Fonte:FOLHA DO MEIO AMBIENTE

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